Retrato de Antero de Quental

, 1889

Columbano Bordalo Pinheiro

Óleo sobre tela

73 × 53,5 cm
assinado e datado
Inv. 1108
Historial
Oferecido pelo autor ao retratado, que o ofereceu a Oliveira Martins. Este escritor legou-o em testamento a Luís de Magalhães. Doado pela viúva, Maria da Conceição Lemos Magalhães, ao MNAC, em 1945.

Exposições
Paris, 1890; Lisboa, 1894; Porto, 1895, 6; Lisboa, 1904, 56; Paris, 1913; Lisboa, 1948; Lisboa, 1957, 31; Lisboa, 1980, 21, p.b.; Paris, 1987 – 1988, 193, cor e p.b.;
Lisboa, 1988, 193, cor e p.b.; Queluz, 1989, 41; Lisboa, 1994, 63; Lisboa, 2002; Lisboa, 2005; Lisboa, 2006; Lisboa, 2007; Lisboa, 2010.

Bibliografia
OLIVEIRA, 1894, 232; ALDEMIRA, 1941, 36, p.b.; PAMPLONA, 1943, 118; PAMPLONA, 1954, vol. I; Revista e Boletim da anba (...), 1957, p.b.; FRANÇA, 1967, vol. II, 254 – 255, cor; FRANÇA (et al.), 1973, 94, cor; Portuguese 20th century artists: a biographical dictionary, 1978, pl. 103, p.b.; FRANÇA, 1979, 27, cor; Columbano, 1980, 27, p.b.; FRANÇA, 1981, 84, p.b.; MATIAS, 1986, 94, cor; FRANÇA, 1987, 43, cor; FRANÇA e cOSTA, 1988, 223, cor; MARÍN, 1989, p.b.; LAPA, 1994, 118, cor; SILVA, 1995, 344, cor; FRANÇA, 1998, 361 ss.; O Impulso Alegórico (...), 1998, 350, cor; SILVA, 1998, 353 ss.; FRANÇA, 1999, 17, cor; PEREIRA, 1999, 322, cor; RODRIGUES, 2000, 201, cor; ELIAS, 2002, 139 ss.; LAPA, 2003, 1; Columbano Bordalo Pinheiro, 1874 – 1900, 2007, 141; AZEVEDO, s.d., p.b.
O Retrato de Antero de Quental encerra e inicia uma nova fase na obra de Columbano Bordalo Pinheiro. Os valores matéricos diluíram-se e o fundo escureceu completamente, o que permite realçar uma interioridade e um valor simbolizante ao retratado, aspectos de que os seus retratos estavam arredados, mais preocupados que estavam com a superfície e a construção pela mancha, num esquema reportável ao pré-impressionismo. A representação da carnação é subtilmente vaga de forma a deixar transparecer a estrutura óssea do crânio, sugerida pelas narinas descarnadas, as maçãs do rosto salientes e os olhos fitos e encovados nas órbitas, bordejadas pelas arcadas supraciliares proeminentes. Também o cabelo, reduzido a uma ligeira mancha transparente, prolonga a testa aclarada por uma luz vertical e esbranquiçada que melhor contribui para revelar o crânio como símbolo da morte, que Columbano parece ter pressentido no rosto do poeta, que daí a dois anos se suicidaria. Um subtil sfumato contribui para a desmaterialização da figura. Os próprios contornos do busto misturam-se com a sombra do fundo numa indefinição de limites generalizada. O rosto, sem o tradicional contraponto luminoso das mãos, transforma-se na vizinhança de uma essencialidade intuída e revelada pela luz imaterial. A figura de Antero de Quental, só por si símbolo de uma geração, mais o suicídio posterior vieram dar a esta pintura um valor histórico que a transcende como simples retrato e a projecta como emblema de um discurso, quer da obra posterior de Columbano, quer da situação cultural representada pelo retrato. E este aspecto iria ocupar uma parte muito significativa da produção do artista na década seguinte.
Pese embora a gravidade do retrato, o facto é que Columbano conta, numa das suas cartas, que enquanto pintou Antero, este lhe pareceu sempre “calmo, delicado, afável. Nenhuma tragédia transparecia na sua máscara alegre quase. Por isso foi para mim um acontecimento inesperado a notícia do seu suicídio. E bastante tempo em meu cérebro labutou esse desgosto”. Se a pintura parece indicar o contrário e a maioria das leituras tende a interpretar o retrato como uma antecipação do trágico destino de Antero, então talvez seja pertinente considerar como os novos horizontes da pintura de Columbano – o tenebrismo espanhol associado a um simbolismo híbrido –, ainda que voluntariamente autónomos da esfera das relações socioculturais do curso histórico, se estruturavam num quadro geral onde os processos de significação esbarravam com esse mesmo horizonte histórico intransponível e que, no fundo, os produzia.

Pedro Lapa