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Columbano Bordalo Pinheiro

1874 – 1900

Columbano Bordalo Pinheiro

2007-02-16
2007-05-27

O Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea celebrou em 2007 o centésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de Columbano Bordalo Pinheiro, com uma exposição que apresenta ao público uma selecção das suas obras realizadas entre 1874 e 1900. São cerca de 70 obras, pinturas e desenhos, pertencentes na sua grande maioria à colecção do museu, mas também a outras colecções públicas e privadas. Na exposição as obras estão organizadas em oito núcleos, “Formação”, “Pintor da vida pequeno-burguesa”, “Paris”, “A pintura moderna”, “Um inventário dos espíritos”, “Ao correr do tempo”, “Pintura de história” e “Desenhar para a pintura”, de forma a evidenciar os diferentes momentos do seu fazer artístico ao longo destas três décadas.

Com esta exposição, acompanhada da publicação de um catálogo, o museu prestou homenagem a uma figura incontornável da história da arte portuguesa, autor de obras como O Grupo do Leão (1885), Concerto de Amadores (1882) ou Retrato de Antero de Quental (1889), professor na Escola de Belas Artes e director deste museu entre 1914 e 1929. A segunda parte da sua produção artística, realizada entre 1900 e 1929, ano da sua morte, será tratada numa exposição agendada para 2010, no âmbito das comemorações do centenário da República.

FORMAÇÃO
Os primeiros trabalhos de Columbano foram realizados em casa sob o magistério de seu pai, o pintor Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1815-1880). Concluiu o curso de pintura na Academia de Belas Artes de Lisboa em 1876 com aproveitamento deficiente pelas faltas continuadas e pouca aplicação. Foi aluno de alguns dos mais relevantes artistas da geração romântica como Tomás da Anunciação, Miguel Lupi, Vítor Bastos e Simões de Almeida. A sua aprendizagem terá sido essencialmente realizada em casa com o pai que cultivou uma pintura em pequenos formatos de cenas de costumes, dentro de um gosto seiscentista holandês. Foi este gosto que transmitiu ao filho através de um ensinamento em convívios familiares durante os serões. Columbano estreou-se no Salão da Sociedade Promotora das Belas Artes em 1874 com pinturas de costumes populares, por vezes anedóticos. Em 1879 concorreu a uma bolsa para estudar Pintura de Paisagem em Paris, mas o júri preteriu-o. Tentaria ainda uma vez mais a bolsa para Paris, em 1880, na modalidade de Pintura de História, mas seria novamente preterido. (P. L.)

O PINTOR RADICAL DA VIDA PEQUENO-BURGUESA
O ano de 1880 denota uma profunda e radical mudança no rumo da pintura de Columbano. As pinturas que apresentou no Salão da Promotora e, posteriormente, numa exposição realizada com o seu amigo António Ramalho, eram predominantemente de género e mostravam-no especialmente atento aos episódios da vida romântica e urbana. Columbano remontava a uma prática realista de observação social, revelada nas particularidades de uma vida pequeno-burguesa bem escolhidas, mas de forma despolitizada. Reelaborava um realismo com ironia sensível e uma crítica subtil dos costumes, como consequência possível da pintura de género e do retrato que então definiam a sua nova produção. A vida urbana e as respectivas situações tornaram-se susceptíveis de um inventário que foi realizando como que em resposta à invectiva de Ramalho Ortigão: “O que nos falta é um pintor de costumes e um interpretador da realidade humana".
A crónica da vida moderna que Columbano empreendeu foi servida por uma pintura profundamente moderna onde, por um lado, os traços descritivos das fisionomias se circunscrevem a pequenos sinais que definem os códigos das acções desenvolvidas e, por outro, as superfícies pictóricas assumem ritmos e configurações que desconectam as manchas cromáticas de qualquer função descritiva e contribuem para uma planificação e abstractização do espaço. A radical liberdade destas pinturas faria recuar o próprio Ramalho Ortigão, pois elas configuram um momento ímpar de afirmação da própria modernidade em Portugal. (P. L.)

EM PARIS, CAPITAL DO SÉCULO XIX
Embora tenha sido reprovado nas provas para o pensionato em Paris, Columbano terá movido influências e o Rei D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, através da Condessa de Edla, ofereceu-lhe uma bolsa, que se estendia à irmã do artista para o acompanhar. Em princípio, frequentaria o atelier de Carolus-Duran, que o apreciara em Lisboa, no entanto tal acabou por não acontecer, mas desse atelier Columbano guardou a amizade e a admiração do pintor norte-americano John Singer Sargent (1856-1925), que em vão o tentou levar para a Academia de Belas Artes. Infelizmente Columbano não procurou conhecer muitos artistas jovens e quando seria de esperar um encontro pleno com a capital da arte moderna, queixou-se de que Paris cheirava a pó de arroz e a óleo! Com relutância concluiu o pensionato e foi sobretudo o Museu do Louvre o seu principal atractivo. As pinturas que executou em Paris, cerca de dez, denotam uma alteração no curso da sua obra: as variações cromáticas passaram a uma gama mais contida de ocres distribuídos com maior fluidez da tinta, enquanto os fundos se tornaram escuros. O recurso ao claro-escuro, por vezes abordado com alguma complexidade, fez uma primeira aparição na sua pintura. Também o dinamismo e o instantâneo substituíram a pose tradicional do modelo, como acontece em A luva cinzenta ou no Retrato do jornalista Mariano Pina, que revelam uma aproximação a outro modelo de percepção, possibilitado pela fotografia. Mas a obra cimeira deste período foi Concerto de amadores, apresentada no Salon de Paris, de 1882. A grande escala e o motivo intimista contrastam, o tratamento da luz diversificou-se, entre sugestões clássicas e um entendimento moderno. Em última análise, Columbano tentava reconfigurar algumas memórias da história da pintura com uma visão moderna e simultaneamente particular. (P. L.)

A PINTURA MODERNA
O regresso de Paris foi esperado com expectativa, até porque Columbano era considerado por alguma crítica, em Portugal, como o mais radical dos pintores modernos. Entretanto, os naturalistas agrupados em torno de Silva Porto, que trouxera para Portugal, em 1880, a novidade da pintura de ar livre, formaram o Grupo do Leão, assim designado pelo nome da cervejaria onde se encontravam em tertúlia e vida boémia. Em 1881 deram início às exposições de Pintura Moderna. Columbano participaria a partir da segunda exposição, enviando algumas pinturas antigas, as novidades guardou-as para a terceira exposição do grupo, aberta no final de 1883, quando regressou de Paris. Uma nova paleta organizava a sua pintura, os fundos escuros e o recurso ao claro-escuro da fase de Paris deram lugar a fundos claros, onde a figura mais escura se passava a inscrever. Não existem modelações de volume, mas superfícies planas, por vezes com valores matéricos acentuados, a partir das quais se constrói a figura. Tudo é sintético e reduzido à relação que o tratamento das superfícies, puramente pictórico, tem com a percepção do retratado e o seu contexto. Curiosamente, Columbano retomava uma via mais moderna para a sua pintura e a memória de Manet (1832-1883) era assumida. A crítica nacional, mesmo Ramalho Ortigão que o defendera, acusava-o agora de realizar uma pintura incompleta. Apenas Mariano Pina, frequentador assíduo dos Salons de Paris, o defendeu, demonstrando com isso o profundo desconhecimento da actualidade plástica em que o país e os seus quadros culturais viviam. (P. L.)

UM INVENTÁRIO DOS ESPÍRITOS
No final da década de 80 a pintura de Columbano sofreu uma profunda alteração depois de uma viagem a Madrid, onde admirou Velázquez e os tenebristas, e a Paris, então dominada pelo Simbolismo. O Retrato de Antero de Quental será o momento mais significativo e inicial desta nova fase. Os fundos escuros regressam e os retratados parecem emergir da escuridão. Os valores matéricos da tinta são agora mais diluídos que nunca e conferem aos retratados uma aparência espectral, pelo que uma idealidade vaga se sobrepõe à percepção naturalista. Eça de Queiroz, reflectindo sobre a estética da última década do século, referia que se assistia então “ao descrédito do naturalismo” e que os retratos eram feitos “como para desprender tanto quanto possível o homem da sua carnalidade, e não lhe perpetuar mais que a semelhança do espírito”. Columbano experimentou na primeira metade de 90s uma abordagem simbolista através de uma série de retratos da inteligentsia de um Portugal que experimentava então a falência de um sistema político-cultural e dos ideais positivistas com que ela própria se propusera alterá-lo. Cada retratado figura assim o vestígio de uma obra ausente e por ele tornada presente, definindo no seu conjunto um amplo retrato do pensamento e das suas condições, em finais de oitocentos. (P. L.)

AO CORRER DO TEMPO
Paralelamente à série de retratos de pendor simbolista sobre a intelligentsia portuguesa, Columbano foi desenvolvendo outras galerias de retratos, onde uma percepção imanente cruza o naturalismo com outras referências heterogéneas. Como um contraponto ao drama político-cultural estas pinturas assumem um fascínio pela reiteração do entendimento tradicional do pintor e dos seus temas ancestrais. Por um lado, o retrato elegante e mundano de referência moderna, que tinha no seu tempo expoentes em J. S. Sargent ou Giovanni Boldini, interessou-o, pelo que o experimentou com personalidades da vida social da época; por outro lado, as tradições dos bodegónes espanhóis seiscentistas ou dos interiores sombrios e tranquilos dos petit-maîtres holandeses, que sempre lhe despertaram a atenção, apareceram nesta fase como sinal de uma partilha: o gosto burguês dominante, dominado pela mestria do pintor. É então o gosto de uma época e dos seus protagonistas que a pintura de Columbano aborda no limiar de outro século. (P. L.)

A PINTURA DE HISTÓRIA E O IMAGINÁRIO CAMONIANO
Na Europa de finais do século XIX ocorriam profundas e importantes transformações enquanto Portugal, no limiar da modernidade, atravessava uma grave crise económica, social e política. Adensava-se um ambiente depressivo, provocado pelo Ultimatum (1890), um “momento de humilhação e ansiedade” (Antero de Quental), na denominada Finis Patriae (Guerra Junqueiro), em cenário de desilusão. A temática camoniana, pelo seu apelo a um glorioso passado, invocava um espaço de crucial irrealidade, recorrente da ideia de um nacionalismo imperial, forjado na sensibilidade poética da epopeia de Os Lusíadas e na heroicidade do seu autor. Este entendimento da História convertia os mitos e significantes da historiografia nacional em nostálgicas e anedóticas ilustrações de momentos do passado, ao banalizar o assunto épico e ao aproximar-se da actualidade.
A Pintura de História de Columbano, encenada em “ecrans” contemporâneos, apresentava uma envolvência contextual, mais imaginada do que rigorosa, com modelos da vida real, e articulava as atitudes culturais de finais do século com a ilusão de fazer História. Era uma redutora dimensão temporal que condensava, ilusoriamente, momentos de um passado histórico e a necessidade de os actualizar no presente. Facilmente apreendida por um gosto massificado nos já constituídos fenómenos de fruição de temáticas acessíveis ao povo, ansioso pelos relatos de glórias nacionais, a Pintura de História dramatizava a representação cenográfica de personagens reais, em retratos objectivos e casuais. Estava garantido o sucesso narrativo, que já não seria épico, nem glorioso, mas sugerido pela interpretação do facto histórico, grandioso e natural, “grandíloquo e corrente”. (Maria de Aires Silveira)

DESENHAR PARA A PINTURA
A prática do desenho para Columbano não constitui, de modo geral, prática autónoma. Pelo contrário, ela reafirma Columbano como pintor, como um artista que recorreu ao desenho quase exclusivamente como campo de ensaio para estudos de composição, de orquestração de luzes, de caracterização de pormenores anatómicos e de atitudes individuais de figuras que integram composições maiores. Se os desenhos registam as variações estilísticas ao longo deste período, muitas vezes acompanhando as transformações pictóricas, será na mudança de um género para outro que estas diferenças se tornam evidentes: do intimismo das cenas de interior pequeno-burguesas, que por vezes impregna os retratos, para o carácter mundano que perpassa em alguns estudos de figuras femininas; ou da vocação realista dos retratos, que oscilam entre a fidelidade naturalista e a vontade de caracterização psicológica, para o sentido dramático e teatral das pinturas de história. A este ritmo, assistimos a abordagens plásticas diferentes, que adoptam a espontaneidade da linha como condutora da composição ou a substituem pelo valor estrutural da luz, num tratamento apoiado na mancha ou em marcações de claro-escuro, até chegar à linearidade livre e solta dos estudos de composição para os grandes relatos de pintura de história e ciclos decorativos, cuja complexidade explica a abundância de estudos, com destaque para o tema camoniano, no geral, e para as pinturas decorativas do Museu Militar, em particular. (María Jesús Ávila)