O projecto SONAE / MNAC Art Cycles enquadra-se no acordo de mecenato celebrado entre a Sonae e o Museu Nacional de Arte Contemporânea e constitui a principal iniciativa, neste âmbito, na programação de 2018. Trata-se de uma acção bienal que procura desenvolver uma exposição individual de grande impacto no panorama artístico português e que integra a política de responsabilidade corporativa da Sonae, a qual visa promover a criatividade e inovação, estimulando novas tendências e aproximando a sociedade à arte. Na primeira edição, em 2014, o convite foi dirigido ao artista visual Daniel Blaufuks e na segunda edição, em 2016, esteve a cargo do artista Hugo Canoilas.
Para esta terceira edição o artista convidado é Miguel Soares, um dos pioneiros das artes digitais em Portugal, que concebeu e desenvolveu um projeto original assente numa visão futurista da sociedade que explora o conceito da automação e da inteligência artificial no contexto da Era Tecnodigital e da 4ª Revolução Industrial. Miguel Soares apresenta na exposição LUZAZUL um conjunto de várias obras inéditas, composto por imagens fixas de composição digital, apresentadas em caixas de luz, e por imagens em movimento, de animação 3D com composições musicais, apresentados em ecrãs e em projecção, com cenas iluminadas por fotos “reais”.
LUZAZUL é um
palíndromo composto por duas palavras, Luz e Azul, que, juntas, se podem ler
tanto da direita para a esquerda como da esquerda para a direita. A escolha
destas duas palavras prende-se com a luz da tecnologia que domina o mundo de
hoje e o conceito de espelho, metonímia de amplitude, presentes neste trabalho
de Miguel Soares. Este projecto é o culminar de um percurso artístico dedicado
à reflexão e à conceptualização do mundo real versus virtual.
Em
termos teóricos este projecto inspira-se principalmente nas teorias
de dois pensadores afastados entre si por quase 800 anos: Joaquim de Fiore (1135-1202) e
a sua teoria profética de “As Três Idades do Homem” em que, tendo por base as Sagradas Escrituras,
fundamenta três Idades da História ou do Homem, correspondentes a três níveis
de desenvolvimento; e Ray Kurzweil (1948-) engenheiro e cientista norte-americano,
defensor do conceito de “Singularidade” tecnológica, em que o rápido avanço da
inteligência artificial
conduzirá os computadores/máquinas a atingir a mesma inteligência do ser humano
e a ultrapassá-la, permitindo, todavia, a libertação dos humanos de obrigações num tempo
que se prevê próximo do ano de 2045.
A exposição LUZAZUL propõe reflectir sobre a realidade hipotética em que as novas máquinas tomam consciência de si e procuram reivindicar direitos sociais, nomeadamente, mais tempo livre, mais liberdade e direitos, criando um paralelismo com as lutas desenvolvidas pelos humanos em séculos anteriores. Uma proposta filosófica construída através de três gerações de robôs, que nos traz uma narrativa existencialista de um futuro não distópico, com uma visão poética que questiona se esta luz azul será a "luz ao fundo do túnel".
Actividades Paralelas
Masterclasses, Conferências e Conversas
MASTERCLASSES
No âmbito da exposição, o artista realizará três masterclasses, em três universidades portuguesas, nos vários ciclos de ensino.
5 de Dezembro 2018 - Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
7 de Dezembro 2018 - Doutoramento em Arte Contemporânea, Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.
7 de Fevereiro 2019 - Doutoramento em Média-Arte Digital, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
CONFERÊNCIA
Em torno do tema da exposição, será realizada a conferência de um dia, “YOU, I AND THE ROBOT - Artificial Intelligence and the 3rd age of man”.
Além do artista e da curadora, estarão presentes especialistas das áreas científicas abordadas pela exposição.
O programa completo será brevemente anunciado.
CONVERSAS
Dia 13 de Dezembro, 18h30 (MNAC, Polivalente): Conversa com o Prof. Doutor Rogério Miguel Puga (CETAPS, FCSH/NOVA) e Emília Ferreira: Mary Shelley e os seus monstros.
Dia 18 de Janeiro, 18h30 (MNAC, Polivalente): Conversa com Prof. Doutora Teresa Botelho (FCSH/NOVA): “Também sou pessoa”: A Imaginação da Consciência e da Identidade em Ficções da Inteligência Artificial Corporizada.
Dia 13 de Fevereiro (horário a confirmar), Reitoria da Universidade do Porto: Mesa redonda, coordenada pela Prof. Doutora Fátima Vieira, Vice-Reitora da Universidade do Porto.
SOBRE O ARTISTA
MIGUEL SOARES
N. Braga, 1970, vive e trabalha em Lisboa.
Licenciado em Design de Equipamento, Faculdade de Belas Artes, Lisboa (1989-1995), após formação em fotografia no Ar.Co, Centro de Arte e Comunicação Visual, Lisboa (1989-1990) e formação em desenho, com Manuel San Payo, Galeria Monumental, Lisboa (1989-1990), é doutorando em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra (2010-presente).
Profissionalmente, além da docência, atividade que exerce desde 2006, na Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Universidade de Évora e Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Tem mantido uma regular carreira artística, expondo coletivamente desde 1898 e, individualmente, desde 1991, em Portugal e no estrangeiro. Foi vencedor do prémio BES Photo 2007. A sua obra está representada em várias colecções públicas e privadas em Portugal e no estrangeiro.
EXCERTOS DE TEXTOS DO CATÁLOGO
“LUZAZUL. Luz azul dissipando as fronteiras”
A arte abre as portas da perceção. LUZAZUL, o palíndromo, que dá título a esta exposição visionária de Miguel Soares, dissipa, assim, as fronteiras entre novas tecnologias emergentes e a antecipada sociedade dum futuro próximo, onde se espera que as funções do homem convirjam venturosamente com as da máquina. Para melhor compreender o futuro, talvez valha a pena questionar os desenvolvimentos e narrativas do passado: qual é, afinal, a origem desta eterna busca e anseio da humanidade por se fazer substituir por máquinas? Será a recusa inconsciente em aceitar a expulsão bíblica do paraíso, ou o desejo, imanente ao homem, pela morte como redenção? Ou será a visão feliz de uma superação definitiva das falhas e imperfeições humanas, pela invenção da máquina perfeita, enquanto alter ego superior do homem?[…]
E isto não é pura fantasia. Foi já alcançado um sucesso notável, através da substituição da inteligência humana por sistemas algorítmicos: a conexão eletrónica, há muito posta em marcha, dos consumidores e seus aparelhos na Internet das Coisas, enquanto instrumento principal das futuras bases económicas, sobretudo na implementação de algoritmos de controlo inteligentes. […] O principal fascínio da popular nova revolução poderá consistir no nosso abandono definitivo do ideal humanista de uma vida autodeterminada. Por contraste, as máquinas parecem estar empenhadas em alcançar autonomia. […] Se a arte lida conscientemente com a sociedade, também a obra completa de Miguel Soares se acha impregnada, desde o início dos anos 1990, pela dissipação das fronteiras entre o presente e o futuro.
Bernard Serexhe
“O pioneirismo futurista de Miguel Soares. À conversa com o artista
AG Em luzazul há várias ecos de obras tuas anteriores, de diferentes períodos, que nos surgem como referentes ou relacionais, seja Palindrome series (2007), 2048 (2016), Wabane (2008) ou até Time for Space (2000) no que toca à ambiguidade. Consideras que o projecto luzazul é uma das tuas criações mais complexas e acuradas?
MS Essas referências são por vezes introduzidas porque me dão mais energia para continuar, ou seja faz parte das coisas que me dão gozo fazer num trabalho que tem partes muito complicadas. E permitem estabelecer ligações entre os trabalhos. Na cena do “protesto das máquinas” há uma figura vermelha e amarela que modelei em 1997 para a capa da revista Bíblia n° 3, é um modelo com 21 anos. As formas cromadas que aparecem em luzazul, Wabane ou Time for Space têm provável início num autocarro de 2 andares antigo da Carris que fiz para as Festas de Lisboa de 1992 e que era todo pintado de tinta de alumínio. O laser da série Gustavo, e de Do Robots Dream of Electric Art aparece também nas capas dos meus dois cd audio, e aparece agora em alguns robots, são alguns exemplos. Outro factor de incentivo, no caso concreto dos trabalhos de animação, é poder ir avançando na aprendizagem, explorando novas possibilidades, aprendendo novas técnicas ou ferramentas, e nesse sentido, é um dos trabalhos mais complexos que já fiz, não só tecnicamente, mas também em termos de gestão. Havia aqui um limite de tempo bastante apertado, costumo levar mais de um ano num trabalho deste tipo, de modo que teve de ser enfrentado de uma forma muito pragmática apostando na organização do tempo, no planeamento e na gestão do uso dos computadores, de modo a não desperdiçar tempo de processamento.
AG Esta entrevista já vai longa, mas gostava ainda de abordar mais uma questão contigo. As novas linguagens digitais passaram a fazer parte das áreas de especialização nas escolas superiores de arte e, desde 2006, tens desenvolvido actividade como professor em várias licenciaturas e mestrados neste domínio, a par da tua carreira como artista. Também vários artistas de gerações anteriores à era digital, como Jeff Koons ou David Hockney, têm vindo a explorar as novas tecnologias nas suas criações. No entanto, percebemos que o meio e, em particular o mercado das artes visuais continua reticente a estas novas linguagens de expressões artística. Como encaras o futuro das linguagens digitais no mundo das artes visuais?
MS Felizmente, as escolas de arte estão hoje mais a par do que se passa no mundo. Nos últimos 12 anos fui professor convidado em 4 universidades de norte a sul do país, visitei outras também, e reparei que há um problema transversal que acho importante resolver, sou da opinião de que cada aluno deveria ter o seu espaço de trabalho fixo ao longo de cada semestre, com mesa, cacifo, tomada, parede para afixar os seus trabalhos, ou seja, um pouco como acontece em pintura e em escultura, em que o aluno pode ao fim do dia deixar lá toda a sua tralha para o dia seguinte. Isto parece-me essencial. Há cada vez mais artistas digitais. É vulgar comprar livros, músicas e filmes sem um suporte físico. É natural que o mercado das artes se abra um pouco mais, sobretudo as instituições, porque a arte multimédia e as novas tecnologias atraem público, mas não tenho ilusões, há uma hierarquia estabelecida em que a arte digital e multimédia têm acima de si a fotografia, o desenho e no topo estão a pintura e a escultura. A ironia é que uma animação 3d pode conter dentro de si todas essas disciplinas, e mais algumas, como o cinema ou o design, mas não é possível tocar-lhe, por enquanto.
Miguel Soares e Adelaide Ginga
[Excerto de entrevista do catálogo]