Os trabalhos de David Claerbout operam conjuntamente fotografia e filme de forma a produzir pela imagem uma experiência física destas categorias e um conhecimento das suas potencialidades. Se a fotografia se fixa num tempo específico, que está ali, documentado e não se apaga em direcção a outro momento; o filme, pelo contrário, evolui continuamente de imagem para imagem. Ao rebater o filme e a fotografia para um meio computorizado, num único e mesmo sinal electrónico – que os codifica em informação emitida como vídeo –, os conceitos de fotografia e de filme subsistem ainda nesse meio digital, como sustenta o artista. A imagem fixa e o registo fílmico em tempo real constituem-se como duas modalidades de tempo que concorrem juntamente. Apesar da condensação dos tempos diferentes por um só meio, é neste vai e vem que David Claerbout realiza o seu trabalho. Entre o presente suspenso da fotografia e o presente continuado do filme revela-se um fascínio pela imagem e os seus tempos, sobretudo através de arquitecturas alusivas a um momento histórico específico. Nostalgia e reivindicação tornam-se pólos centrais destes seus trabalhos iniciais.
Posteriormente através de vídeo-instalações, por vezes interactivas, o súbito acordar da imagem fixa em imagem em movimento, com a presença do espectador, suscita uma experiência física da imagem conferindo-lhe uma dimensão performativa. Ao utilizar um medium sem corpo – o filme –, David Claerbout reclama o diálogo entre o filme e o espectador ambos envolvidos num acontecer que repõe o corpo como processo comunicativo.
A partir de 2004 os seus trabalhos utilizam uma dimensão narrativa para interrogar o lugar do espectador e o papel do cenário enquanto construção do tempo e forma da sua duração. Cenário e paisagem são submetidos à variação da luz enquanto as mesmas narrativas persistem numa repetição infinita entre memória e presença que se vai desvanecendo.
Os trabalhos mais recentes de David Claerbout apresentam-se como amplas séries de fotografias tiradas de múltiplas perspectivas de um só e mesmo instante. A sua apresentação numa sequência define potenciais situações narrativas, por vezes complexas e diversas, mas que paradoxalmente não se constituem como tal, uma vez que todas as imagens se referem a um só instante, não existindo por isso progressão temporal. Por outro lado, a proliferação espacial criada desconstrói a unidade do instante, da sua presença.
De certa forma, é sempre um tempo diferido que os seus trabalhos abordam.
Pedro Lapa
Director do Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado