Patrícia Corrêa - 11 vezes Maria
Patrícia Corrêa - 11 vezes Maria

Atrium

entrada: Condições Gerais

Echoes on the Wall

Patrícia Corrêa: 11 vezes Maria

2015-07-10
2015-09-05
Curadoria: Adelaide Ginga

O projeto ECHOES consiste num ciclo de exposições individuais que reúne jovens artistas de origem portuguesa, a trabalhar e residir fora do seu país de origem. Artistas que apresentam, na sua maioria, um currículo construído com exposições realizadas no estrangeiro, onde têm ganho crescente reconhecimento, mas com pouco ou nenhum eco em Portugal. Ainda que a maioria destes criadores procure divulgar o seu trabalho no país natal, com a realização pontual de mostras, são de um modo geral pouco conhecidos e acabam por estabelecer maior contacto com importantes centros artísticos internacionais.

Durante cerca de um ano, o MNAC irá realizar um ciclo de mostras individuais na parede de fundo do atrium do Museu. É neste espaço de acolhimento que os visitantes são interpelados por trabalhos recentes ou inéditos de nomes da diáspora cultural portuguesa, que espelham as novas linguagens de criação artística contemporânea. O convite foi lançado a artistas lusófonos estabelecidos em países com comunidades portuguesas relevantes ou em crescente afirmação, nos cinco principais continentes de destino migratório. Valorizou-se uma visão plural com perspetivas culturais diversas e experiências artísticas distintas.

Sendo a arte uma área privilegiada para a abordagem de questões políticas, económicas, sociais, etc., estes “Ecos” propõem também a reflexão sobre questões pertinentes da atualidade: o reativar do impulso à emigração, as miscigenações sociais e respetivas hibridizações culturais, os diferentes modelos e parâmetros de integração e cidadania, a dicotomia no que toca à identidade e o surgimento de novas geografias emocionais. Esta iniciativa visa estabelecer a ponte entre as novas gerações de criadores portugueses que estão fora do contexto nacional e o MNAC como espaço de excelência no contacto com a arte contemporânea portuguesa e local de acesso à novidade que estimula novos olhares sobre o real.


de 10 de julho a 5 de setembro

Patrícia Corrêa : 11 vezes Maria


“A imagem é um ato e não uma coisa.”

Jean-Paul Sartre, L’Imagination (1936). Paris: PUF, 1971, pp. 70 e 162.

 

Maria é um nome próprio de origem incerta e um dos mais comuns no mundo inteiro. Para muitos um nome bíblico, de forte conotação com o cristianismo, que deu origem ao culto Mariano numa construção teológica e devocional copiosa, tornando Maria na Mãe dos Cristãos, ícone de humildade, devoção, pureza, coragem e fé. Mas Maria é também Madonna, Mea Domina, a versão italiana de Minha Senhora, um termo de origem áulica, isto é, reporta à senhora da nobreza cortesã, trabalhada pela poesia trovadoresca do Dolce Stil Nuovo. A sincretização entre Maria Madonna, a mulher nobre sem conotação religiosa, e Maria Mãe de Cristo, mulher simples do povo, resulta em Maria “Símbolo de Mulher”, no sentido mais lato, que lhe confere a dimensão metafísica de unificação do diverso.

É no sentido ontológico do termo que Patrícia Corrêa constrói Maria e a trabalha em diversos domínios, várias faces de Maria, num corpo migrante, que resultam em aglutinação de identidades e sequente anonimato dando corpo à síntese transcendental kantiana. 11 vezes Maria, traduz um caminho de repetição e continuidade. A artista recorre a diversos meios de expressão para questionar as dimensões da memória e a sua transferência de corpo para corpo.

Ao longo dos últimos anos, o trabalho sobre a ideia de Maria é recorrente no percurso de Patrícia Corrêa em performances e instalações que criam uma interpretação artística e iconoclasta.

Nesta série de trabalhos, as primeiras performances começaram por carregar uma simbologia de cariz autobiográfico. No entanto, nas mais recentes, a ação evocou uma personagem ficcional com referência ao livro de Jorge Luís Borges “Book of Imaginary Beings”, ou outras personagens reais, como Maria Liban, polaca, judia, vítima do nazismo. Em comum, a utilização do corpo como material de criação artística, o desafio aos seus limites, a resistência física e psicológica, a tendente interação com o público.  As instalações ou objetos artísticos, quando existentes, estabelecem relação direta com a performance, desenvolvendo analogias simbólicas com recurso aos mais diversos suportes.

Em 11 vezes Maria, a ligação de referentes polacos e portugueses é intensa e constante na exploração do conceito de Maria, sendo incontornável a fulgurância religiosa que daí resulta e que é assumida pela artista sem preconceito nem incómodo à sua condição de não católica.

O trabalho artístico apresentado é composto por uma performance e uma instalação. O número 11, que na Bíblia, está associado a importantes acontecimentos conotados com situações de perda, também presentes neste trabalho, enquanto na espiritualidade significa idealismo, questão sempre latente no que toca ao feminino e ao papel da mulher nas sociedades, está nesta exposição  relacionado com repetência do tema e indica um caminho em aberto. O “11” simboliza neste caso o dia a seguir, o amanhã, na descoberta de novas “Marias”.

A instalação apresenta várias peças. O primeiro núcleo consiste em 11 fotografias, polaroides realizadas pela própria artista na atualidade, preenchidas no centro por imagens de figuras que foram recortadas do seu suporte original e cujos rostos são obliterados por meio de raspagem, pintura dourada ou cobertos por alfinetes de pérola. O branco das pérolas remete para a saia de um vestido de noiva aberto em roda e afixado à parede com pregos dourados. Seguem-se um conjunto de fotografias cobertas por uma folha dourada, que apelam à intervenção do público para que raspe o dourado com uma moeda e possa aceder e libertar a imagem original. 100 corações de cera estão espalhados pelo chão e pela parede com intervenções feitas pela artista. Por fim, dois auscultadores onde é possível ouvir Patrícia Corrêa, em inglês, a interpretar um poema de sua autoria ao longo de 4 minutos. Na parede, a tradução em português impressa num pano.

Desde 2002 que Patrícia tem vindo a adquirir, em situações ocasionais de feiras, lojas, outras, fotografias com retratos de mulheres desconhecidas em momentos pessoais, que em alguma altura das suas vidas mereceram registo. Desvalorizadas enquanto documento por quem as vende,  as fotografias são adquiridas pela artista como uma relíquia de Maria anónima que sincretiza todas as variantes de Maria. Essas fotografias são trabalhadas por Patrícia Corrêa numa espécie de ritual em que se sacrifica a identidade da personagem desconhecida, sem biografia. Como nos diz Maurice Blanchot “A fascinação está fundamentalmente vinculada à presença neutra, impessoal, ao Se indeterminado, ao imenso Alguém sem rosto. Ela é a relação que o olhar mantém, relação ela própria neutra e impessoal, com a profundidade sem olhar e sem contorno, a ausência que se vê por ser ofuscante.” (Blanchot ,M.“La solitude essentielle” (1953). L’espace littéraire. Paris: Gallimard, 1998, pp 30-31).

Nesta performance a artista trabalha com vários destes conceitos e materiais, nomeadamente o saiote e corpete do interior do vestido de noiva, cuja saia faz parte da instalação. Trata-se de um vestido adquirido pela artista na Polónia que se liga a Portugal e ao Santuário de Fátima, que recebe doações de vestidos de noiva do mundo inteiro - que depois aluga e vende -, por meio dos corações de cera, ocos e sem pavio, fabricados em Fátima para oferta religiosa.

São trabalhos narrativos, a partir do domínio do real, seja ele pessoal, de raiz autobiográfica, seja de outrem, no singular ou colectivo social, que através do movimento e da estética da memória na correlação com o corpo, lato sensu, constituem o cerne desta fase do percurso artístico de Patrícia Corrêa.


Patrícia Corrêa (Lisboa, Portugal, 1978) é artista e investigadora. Vive e trabalha em Cracóvia (Polónia).

Estudou fotografia no IADE (Creative University, 2002), licenciou-se em História da Arte (FLUL - Universidade de Lisboa, 2007) e continuou os seus estudos na mesma área, especializando-se em Arte Contemporânea (FLUL - Universidade de Lisboa, 2009).

Trabalha com performance, fotografia, vídeo e instalação. No seu trabalho explora a fragilidade da presença do tempo, usando excertos da vida e das suas memórias como metáfora dessa presença incorpórea. Atualmente está a desenvolver uma performance de quatro anos intitulada Tempo 4.

Apresentou os seus trabalhos em espaços públicos, galerias, festivais e museus nacionais e internacionais tais como: Grimmuseum (Berlim, Alemanha), Museu da Cidade (Lisboa), VI Bienal de Arte e Cultura de São Tomé (São Tomé e Príncipe), BU-Festival de Artes Performativas (Banguecoque, Tailândia), Galeria CWS (Toruń, Polónia), Festival WAR<SO>VIE 2013 (Varsóvia, Polónia), CIPAF – Festival Internacional de Performance (Nicósia, Chipre) e na 3ª edição do Festival de Artes Visuais (Bielsko-Biała, Polónia).

Atividades

    2015-07-09 19h00
    Inauguração da exposição de Patrícia Corrêa "11 vezes Maria"
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