Palestra no dia 16 de Outubro, às 18h00, por Inês Fialho Brandão no MNAC-MC
I - Uma história
verídica
O Museu Nacional de Arte Contemporânea, em 1940, recolheu e
salvaguardou um importante conjunto de 10 obras de autores impressionistas
(Courbet, Corot, Toulouse-Lautrec, Seurat, Pissaro, Gauguin, Renoir e Van Gogh)
a pedido dos seus colecionadores: Wilhelm Weinberg e Marianne
Goldshmidt-Rothschild. Neste ano, em Novembro, Diogo de Macedo, que já divulgara
o caso em Maio, referia em Ocidente, a pequena coleção de grandes nomes
do núcleo de Wilhelm Weinberg e questionava até o diretor do museu, Adriano
Sousa Lopes, se “não seria agora oportuno, com o Outono a fazer cócegas na
sensibilidade dos artistas que têm as fronteiras fechadas aos seus espantos,
que essas telas se expusessem?”
II - Em 1940, apesar dos preparativos da Exposição do Mundo Português, um dos
suportes ideológicos da ditadura do Estado-Novo, Lisboa conhecia um movimento
invulgar. Era uma cidade no cruzamento de circulação de refugiados da II Guerra
Mundial e um importante ponto de encontro de espiões, tanto dos Aliados, como
do Eixo, dado o carácter neutral do país. Na Europa traçava-se um cenário de
guerra com a ocupação nazi da Dinamarca e Noruega, em Abril, e, da Bélgica,
Holanda e Luxemburgo, em Maio. Wilhelm Weinberg, banqueiro e colecionador de
arte residente em Amsterdão - Keizersgracht, junto a um dos principais canais
da cidade, identificava-se profissionalmente na área da Bolsa de Valores de
Amsterdão - 44260 Effectenbeurs, através do timbre da carta dirigida ao diretor
do Museu Nacional de Arte Contemporânea (Arquivo MNAC-MC. Wilhelm Weinberg -
Correspondência recebida, 1940, emitida a 14 de Fevereiro). W. Weinberg mostrava-se
preocupado quanto à preservação das obras, embora em Fevereiro, não acreditasse
na ameaça de invasão da Holanda e pedia a proteção do museu.
III - Tudo decorrera conforme previsto e deu-se início ao processo de depósito de um interessante núcleo de obras de autores impressionistas no Museu Nacional de Arte Contemporânea. Após autorização do Ministério da Educação Nacional, W. Weinberg pretendia enviar a sua “pequena coleção de impressionistas franceses” por avião, evitando o risco de transporte por mar ou caminho-de-ferro (Arquivo MNAC-MC. Wilhelm Weinberg - Correspondência recebida, 1940, emitida a 12 de Abril). Nesta data, solicitava igual procedimento para uma obra de Van Gogh, pertencente à baronesa Marianne de Goldschmidt-Rothschild (uma das famílias judias mais importantes perseguidas pela Alemanha nazi) residente em Paris. W. Weinberg organizara 3 conjuntos de obras, como medida de precaução, mas parece ter havido apenas 2 transportes, provavelmente restringindo o plano inicial pela gravidade da situação que então se vivia na Holanda.
IV - Diogo de Macedo apreciou o núcleo de obras de autores impressionistas, depositado no Museu Nacional de Arte Contemporânea, em 1940, e expressou a sua opinião no Ocidente, insistindo na realização de uma exposição, importante “para a cultura dos novos pintores de cá, desde que não se deixem contaminar por fraquezas de imitação”. Neste número do referido periódico, em Novembro, analisava todas as pinturas: as de Courbet, “ricas de verdade (…) e contraste”; a tela “poética e rigorosa” de Corot; Toulouse-Lautrec era, em sua opinião, um “extravagante retratista”; considerava a peça de Seurat, “vibrátil de pinceladas para maior sugestão de luz”; valorizava a “paisagem luminosa” de Pissarro; adiantava que Gauguin era “chefe duma estética exótica”; descrevia um retrato feminino de Renoir, em “fino tom de porcelana japonesa”; referia em Van-Gogh as “pinceladas nervosas e desfiadas (…) chapoeiradas audazes de vermelhões, negros e amarelos vivos, contrastando com sépias e verdes”. Em Dezembro de 1940, Diogo de Macedo lamentava não terem sido expostos estes “quadros estrangeiros” que partiram para a América.
V - Wilhelm Weinberg viveu uma trajetória dramática que acompanhava o mapa político-estratégico da Europa. Várias questões se colocam, desde as suas origens judias, a tragédia familiar, o modo como conhecera a baronesa Goldshmidt-Rothschild, a sua viagem para Portugal e o visto obtido, as razões da inexistência de exposição, qual a localização das peças da sua coleção… Esta situação foca um problema de salvaguarda de pinturas, ou seja, um importante conjunto de peças dos mais valiosos que terá passado por um museu português, neste ano. É um caso particular envolvente, em contexto de guerra, e que será analisado pela investigadora Inês Fialho Brandão. Prepara tese de doutoramento na Irlanda, National University of Ireland, sob o tema Nazi-era provenance and the Portuguese art market 1933-45. Neste âmbito, escreveu um artigo sobre a salvaguarda de colecções de arte pelos museus portugueses durante a Segunda Guerra Mundial, previsto para ser publicado em Coleccionismo e exposições em Portugal , editado pela Ashgate Press, coordenação de Nandia Vlachou. Apresentou uma palestra sobre este assunto na Irlanda, National University of Ireland, e em Edimburgo, a convite da Royal Society of Arts Scotland.
Maria de Aires Silveira.