Em 2014, Pires Vieira perfaz 45 anos de percurso como artista plástico. As suas primeiras obras datam de 1969 e as primeiras exposições individuais, em Portugal, tiveram lugar em 1971, quando ainda estava exilado em França. Depois do 25 de Abril regressa a Lisboa, onde participa em individuais na Galeria Quadrum e colectivas como a exposição itinerante “Pena de Morte, Tortura, Prisão Política”, em 1976, a histórica iniciativa de Ernesto de Sousa “Alternativa Zero”, de 1977, e representações nacionais em várias capitais europeias. Afirma-se com a geração de 70, inicialmente em conotação com o grupo francês Supports-Surfaces. No entanto, a cada década seguinte, Pires Vieira conquista novo fôlego e surpreende pelas abordagens e desafios, numa atitude de independência, com um trabalho que se centra na pesquisa, questionamento, empirismo e contenda face aos limites da pintura.
Esta exposição constitui a primeira antológica dedicada à obra de Pires Vieira. Face ao volume de “obra” existente, à surpreendente consistência do percurso realizado, com articulações e interpelações que perpassam décadas e fases, foi criada uma parceria entre o MNAC e a Fundação Carmona e Costa, por forma a contemplar uma visão de conjunto do percurso criativo deste artista. Assim, no MNAC apresenta-se uma selecção de obras produzidas desde finais de 1960 até ao início deste século XXI, e na FCC expõe-se grande parte da obra em papel, nas suas inúmeras variantes, igualmente desde finais dos anos 60, até à actualidade.
Tendo em conta que a cronologia não é um factor decisivo em Pires Vieira - o chronos (tempo) é explorado pelo logos (estudo) - toda a sua obra é desenvolvida num permanente devir dialético. As próprias referências artísticas de Pires Vieira revelam essa relação aberta entre distintos períodos históricos. O artista estabelece uma relação de interesse com Cézanne, Matisse, Rothko, Ad Reinhardt e o minimalismo americano, o espacialismo italiano, o expressionismo abstracto, entre outros, assumindo-os como fontes no seu caminho de pesquisa e experimentação.
Autor de uma extensa obra conceptual no domínio da pintura, o trabalho de Pires Vieira, centra-se na exploração da cor e do suporte, por via da “desconstrução” da pintura, do processo de desmaterialização e da conquista da tridimensionalidade. Com recorrente prática da mimetização, variação e seriação, desenvolve uma atitude crítica e de crescente reflexão sobre a essência da arte na vertente da pintura.
Pires Vieira afirma-se no contexto da arte portuguesa como um caso singular, com identidade própria, que não é fácil categorizar e exige de quem interpreta o seu trabalho uma estrutura alargada de conhecimento, face ao carácter idiossincrático da sua obra. O facto de ter assumido uma postura liberta de convenções e de ter procurado manter-se independente dos preceitos estabelecidos no “meio das artes”, contribuiu para um desconhecimento da sua obra que pode agora ser colmatado.
Adelaide Ginga