SALA SONAE

entrada: Condições Gerais

Os Nossos Sonhos Não Cabem nas Vossas Urnas

Rui Mourão

2014-07-05
2014-09-28
Curadoria: Emília Tavares

Rui Mourão

Os Nossos Sonhos Não Cabem nas Vossas Urnas!

A presente obra de Rui Mourão foi efetuada entre 2012 e 2014 e consiste num registo áudio e vídeo de performances, efetuadas por ativistas dos chamados novosnovíssimos movimentos sociais, no âmbito da crise financeira, social e política e da intervenção da Troika, em Portugal.

O trabalho aqui apresentado consiste em 5 projeções multimédia sobre 10 performances que o artista selecionou, das muitas dezenas realizadas, assim como o registo áudio em 5 postos de escuta, com testemunhos vários dos participantes e autores destas performances “artivistas”, revelando nestes registos as suas convicções, expectativas e objetivos.

O artista seguiu de perto alguns destes ativistas, com estratégias apartidárias e de forte convicção na capacidade da arte em agir no âmbito social e político. Esta contestação “artivista” tem tido repercussão mundial, desde 2008, na sequência dos movimentos Occupy e como resposta ao colapso financeiro global recente, sendo um elemento novo na tessitura social e política da democracia ocidental, desavinda que está a sociedade com os modelos representativos da mesma.

Rui Mourão seguiu uma metodologia de “colaboração participativa” o que desde logo, coloca o seu trabalho em estreita articulação com as relações que a arte contemporânea tem efetuado entre antropologia e etnografia, como modelos mais eficazes e comprometidos de análise e exploração estética da realidade.

Num país em que a democracia se tornou um conceito não participativo, tornando difícil o exercício da cidadania, o papel da arte colaborativa, aqui apresentado, torna-se essencial. O Museu deve, também, integrar o artista enquanto produtor e exercer uma análise crítica quanto ao seu papel legitimador do autor.

Esta obra é também a possibilidade de resiliência aos ditames que o sistema das artes espera dos artistas, uma dose de rebeldia e subversão q.b., mas que não inspire discursos críticos e de reflexão.

Rui Mourão está, claramente, entre uma nova geração de artistas atenta às dinâmicas sociais e políticas, consciente duma aproximação efetiva da arte ao mundo, recuperando uma utopia subjacente ao discurso artístico, em que a arte pode contribuir para a transformação do mesmo.

Emília Tavares

Curadora

Instalação multimedia

Estátuas de Luto / Em Luta

Por ocasião da visita oficial da chanceler Angela Merkel a Portugal (12/11/2012), o grupo Que se Lixe a Troika cobriu dezenas de estátuas públicas com faixas negras em diversos pontos do país. Foi uma forma de protesto que segundo o comunicado de imprensa do coletivo pretendeu ser um “sinal não de luto, mas de luta contra a troika, pela defesa da democracia e dos nossos direitos”.

Ensaio sobre o Desemprego

Ação realizada por desempregados numa repartição da segurança social, situada no Areeiro, em Lisboa (30/09/2010), no contexto de uma oficina de Teatro do Oprimido, método de "teatro invisível" desenvolvido por Augusto Boal. Queixando-se do tempo de espera, do absurdo de certa burocracia e da falta de condições do local para tantos desempregados, os performers conseguiram obter o apoio de outras pessoas desempregadas na sala para criar uma enorme confusão improvisada de gente a protestar.

Somos Todos Capitães

Happening realizado pelo Colectivo Negativo frente à Assembleia da República (30/10/2012) com soldadinhos de brincar sitiando metaforicamente o parlamento. Os transeuntes eram convidados a participar na performance artivista, colaborando na montagem de uma instalação com milhares de pequenos militares de plástico apontando as suas armas ao parlamento junto às grades de segurança que o protegiam. Simultaneamente ouvia-se uma gravação com crianças entrevistadas a expressarem os seus sonhos para o futuro.

Da Peste – Urbi et Orbi

Outro happening do Colectivo Negativo, desta vez realizado frente ao Ministério da Saúde (08/04/2013) em defesa do Sistema Nacional de Saúde. A ação contra os cortes orçamentais nessa área, com diminuição da qualidade do serviço e crescentes custos de acesso suportados pelos doentes, teve a colaboração do grupo Slap – hand to hand na percussão. A ação consistiu numa alegórica assombração do Ministério da Saúde a partir das figuras medievais das Danças Macabras e do Doutor da Peste, que leram um texto adaptado d’ “O Teatro e a Peste” de Antonin Artaud.

Porco Capitalista na Manifestação

Um homem vestiu-se de fato e gravata, pôs um disfarce de cabeça de porco e posicionou-se frente a um banco situado na Rua do Ouro que sabia estar no percurso que a grande manifestação desse dia faria em Lisboa (2/3/2013). Quando as pessoas na manifestação passavam junto ao banco, essa figura de charuto na mão, fazia gestos snobs a afastá-las de perto do “seu” banco. Durante umas horas aquele arrogante porco antropomorfizado foi a provocadora caricatura do excludente modelo económico-financeiro.

Luxo no Metro

Tendo lugar no metropolitano de Lisboa (22/06/2012), esta performance artivista partiu da iniciativa dos Indignados de Lisboa, como protesto pelos significativos e repetidos aumentos dos títulos de transporte público num curto período de tempo. Os seus participantes fantasiaram-se de "gente rica" e andaram pelas estações e carruagens em grande festa, convivendo, dançando e bebendo falso champanhe. Numa abordagem agit-prop, com humor e ironia, argumentavam que a escalada de preços tornaria o metro mais exclusivo que inclusivo. De forma caricaturada apenas poderia ser usado por ricos.

Grândola Interrompe Sessão Parlamentar

Esta ação do movimento Que se Lixe a Troika, rompendo o status quo institucional no parlamento por ocasião do discurso do primeiro-ministro Passos Coelho (15/02/2013), é de todas as performances artivistas a que teve mais repercussão mediática e impacto nacional. É totalmente inesperado o momento em que das galerias da assistência, as pessoas se levantam e as suas vozes ocupam o espaço da “Casa do Povo” afirmando “o povo é quem mais ordena”. Que ecoasse para a entidade máxima do governo, a força daquela canção (senha de mítica revolução), vinda da zona dos representados para a dos representantes políticos, veio pôr em cena um conflito ideológico que colocou o primeiro-ministro no papel metafórico de opositor dos valores do 25 de Abril, apropriando-o para o interior da performance ao convertê-lo em involuntário performer da ação.

Lírica Subversiva nas Comemorações do 5 de Outubro

Quando as anuais comemorações da implantação da República decorreram num local de acesso interdito ao cidadão comum – no Pátio da Galé (05/10/2012) – com o regime fechado sobre si próprio, uma cantora lírica infiltrou-se cantando uma música histórica de resistência contra a ditadura do Estado Novo: "Firmeza" de Fernando Lopes-Graça. Afirmando-se a partir de uma interpretação musical com uma lógica simbólica de contrapoder semelhante à performance da "Grândola" no parlamento, esta performance artivista teve uma diferença muito interessante. Demonstrou que uma só pessoa – mesmo se independente de coletivos ou do aparelho político de partidos, sindicatos, associações patronais ou governos – pode ter um poder muito mais forte e interventivo na esfera pública do que a grande maioria das pessoas imagina. Para tal é fundamental que a comunicação se exerça como elemento surpresa, num espaço e/ou tempo significativos, com dimensão emotiva e seja transmitida pelos mass media e/ou internet.

Exército de Dumbledore no Metro

Ação de subvertising realizada no metro de Lisboa pelo coletivo Exército de Dumbledore, em oposição ao atual sistema político-económico, por ocasião da visita de Angela Merkel a Portugal (12/11/2012). O subvertising é um conceito que reporta à subversão da publicidade afixada em cartazes, mupis ou outdoors, alterando a mensagem inicial da marca ou colocando outra mensagem em seu local, numa lógica criativa de pirataria anticapitalista.

Troca de Bandeiras nos Paços do Concelho

Um homem com uma máscara de Darth Vader (famoso vilão da saga cinematográfica “Guerra das Estrelas”), durante a noite subiu com um escadote à varanda da câmara municipal de Lisboa, retirou a habitual bandeira e hasteou a bandeira da Monarquia (10/08/2009). Pelo humor e pelo bizarro dessacralizou-se um símbolo da República, invertendo o famoso gesto praticado naquele lugar (o hastear da bandeira da República na revolução de 1910). A performance foi registada em vídeo, colocada na internet e reivindicada pelo 31 da Armada, grupo político de Direita. Verifica-se pois que as performances artivistas, embora tenham sido mais usadas pela Esquerda, independentemente do posicionamento ideológico servem como medium de contrapoder subversivo, permitindo a qualquer pessoa motivada tornar-se num ator político a ocupar a esfera pública e a contribuir para o exercício da Democracia.

Áudio:

Auricular # 1

(duração: 43:18)

Entrevistada: Ana Maria Pinto, 32 anos, cantora lírica, fundadora do Coro de Intervenção do Porto; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Lírica Subversiva nas Comemorações do 5 de Outubro”).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: estação de metro do Cais do Sodré.

Entrevistado: Henreles Henrique, 26 anos, artista visual e de artes do espetáculo, frequenta um mestrado em Encenação, membro-fundador do Colectivo Negativo, participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Somos Todos Capitães” e “Da Peste – Urbi et Orbi”).

Entrevista realizada em: março de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: um café de esquina frequentado por jovens junto ao Ministério da Saúde.

Entrevistada: Joana Freches Duque, 23 anos, atriz, frequenta um curso de Pesquisa e Composição Coreográfica, membro-fundador do Colectivo Negativo, participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Somos Todos Capitães” e “Da Peste – Urbi et Orbi”).

Entrevista realizada em: março de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: um café de esquina frequentado por jovens junto ao Ministério da Saúde.

Auricular # 2

(duração: 01:11:58)

Entrevistado: Duarte Guerreiro, 27 anos, formação em Belas-Artes, desempregado, tem colaborado regularmente com vários grupos / indivíduos ativistas; filmou uma das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (embargo informacional).

Entrevista realizada em: janeiro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: Clube Estefânia, durante um workshop de Livestream.

Entrevistada: Lídia Fernandes, 39 anos, bolseira de investigação da FCT em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo, ativista ligada a movimentos feministas, antirracistas e pelo direito à habitação, como a UMAR, a Marcha Mundial de Mulheres e a Habita, é militante no BE; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Ensaio sobre o Desemprego”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: campus do ISCTE.

Auricular # 3

(duração: 01:15:23)

Entrevistado: Pedro Feijó, 21 anos, estudante universitário em Estudos Gerais - curso organizado conjuntamente pelas Faculdades de Belas-Artes, Ciências e Letras, tem colaborado regularmente com vários grupos / indivíduos ativistas; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (embargo informacional).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: hall de entrada do Cinema S. Jorge.

Auricular # 4

(duração: 01:19:21)

Entrevistado: Ricardo Castelo Branco, 46 anos, desempregado, licenciado em Letras – Português / Francês, membro-fundador de A Luta, colabora regularmente com outros grupos / indivíduos ativistas; participou em 2 das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Luxo no Metro” e “Grândola Interrompe Sessão Parlamentar”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: escadas de acesso ao bar Pensão Amor.

Entrevistado: Rodrigo Moita de Deus, 36 anos, consultor de comunicação de empresas, membro-fundador do blogue 31 da Armada, monárquico, membro da comissão política nacional do PSD; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Troca de Bandeiras nos Paços do Concelho“).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: gabinete de uma empresa.

Auricular # 5

(duração: 01:20:45)

Entrevistado: João Pestana, 56 anos, técnico de comunicação e informação aeronáuticas, membro-fundador dos Indignados de Lisboa, membro-fundador da Assembleia Popular de Algés, foi membro ativo na Acampada do Rossio em 2011; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Luxo no Metro”).

Entrevista realizada em: outubro de 2013

Local da entrevista / paisagem sonora: Praça do Rossio

Entrevistada: Joana Manuel, 37 anos, atriz, membro do coletivo Que se Lixe a Troika, tem colaborado regularmente com outros grupos / indivíduos ativistas; participou numa das 10 performances artivistas cujas imagens fazem parte da videoinstalação (“Grândola Interrompe Sessão Parlamentar”).

Entrevista realizada em: setembro de 2013.

Local da entrevista / paisagem sonora: frente à Assembleia Nacional da República.

Agradecimentos:

Ágata Nolasco, Alice Francisco, Amélia Marcos, Ana Bandeira, Ana Fernandes, Ana Gonçalves, Ana Maria Pinto, Ana Nicolau, Andreia Páscoa, António Guerreiro, Catarina Simão, Carlos Alves, Carlota Lagido, Colectivo Negativo, coletivo Exército de Dumbledore, coletivo Indignados de Lisboa, coletivo Precários Inflexíveis, coletivo PT Revolution, coletivo Que se Lixe a Troika, Duarte Guerreiro, Duarte Amaral Soares, Espaço Mob, Eunice Gonçalves Duarte, Fernanda Oliveira, Fernando Mourão, Fernando Almeida, Filipe Reis, Francisca Veiga, Graça Dias, Henreles Henrique, Jaya Santos, Joana Freches Duque, Joana Gaspar, Joana Manuel, Joana Vann, João Camargo, João Pestana, José Carlos Alvarez, José Montoya, José Soares, Judite Fernandes, Lídia Fernandes, Luís Ferraz, Luís Pereira, Lurdes Marques, Manuel Furtado dos Santos, Marco Marques, Maria do Céu Silva, Maria Raposo Mourão, Mário Montez, Milena Kalte, Myriam Zaluar, Nuno Bernardo, Obdulia Gonzalez, Olga Monteiro, Paulo Henriques, Paulo Raposo, Paulo Rodrigues, Pedro Nuñez, Pedro Prista, Pedro Sabino, Pedro Feijó, Pedro Nemrod, Ricardo Castelo Branco, Ricardo Morte, Ricardo Seiça Salgado, Rita Caldeira, Rodrigo Moita de Deus, Sandra Gaspar, Sofia Neuparth, Sofia Patrão, Sónia Espírito Santo, Susana Oliveira, Tiago Gandra, Tiago Mendes, Tiago Quadrado, Tilo Wagner e Vera Soares.






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