MATT VALENTINE & ERIKA ELDER
Um dos principais responsáveis pela recuperação e reelaboração do ideário psicadélico levado a cabo em massa nesta década que agora passou, Matt Valentine é um novaiorquino a trabalhar publicamente desde o início da década de 90, primeiramente como co-fundador dos Tower Recordings, e ao longo dos últimos anos enquanto Matt Valentine ou MV em variadíssimas formações (nas quais Erika Elder/EE é uma constante). Valentine é uma personificação das mais nobres contra-culturas norte-americanas e intercontinentais criadas no Ocidente contemporâneo - da folk dos anos 60 aos delta blues do Mississipi dos anos 30, dos medicine shows de viragem para o século XX à liberdade estrutural do free jazz dos anos 60, a muita da estranheza e marginália discográfica da história da música gravada.
O seu profile subiu relativamente em anos recentes, visto que, paralelamente às suas edições feitas em casa à mão com Elder no estado americano do Vermont, o par de discos que editou pela editora de Thurston Moore, a Ecstatic Peace, beneficiarem da distribuição de uma editora planetária. Superficialmente mais acessíveis mas igualmente libertos e sem concessões como o resto do seu corpo de trabalho, 'Green Blues' (2006) é um atestado de vitalidade do formato canção como muito pouca coisa nos últimos tempos, e 'Gettin' Gone' uma oficialização com jeitos de homenagem do seu fascínio pelo trabalho de Neil Young, nomeadamente da era de álbuns como 'Zuma' ou 'On The Beach'.
'Barn Nova', o primeiro lançamento neste registo multinacional em duo de MV & EE (os dois anteriores tinham sido com uma formação bem mais alargada), saído em Outubro do ano transacto, é o regresso em disco e à estrada das canções de Valentine no seu estado mais simples e despido, menos ligado aos arranjos e orquestrações psicadélicas de grupo que utiliza na sua banda, a Bummer Road, com quem se apresentou em Portugal aquando da sua última passagem, no primeiro trimestre de 2007 no Museu do Chiado, depois de uma visita em 2005 à Fundação de Serralves e à Galeria ZDB. Ladeado por Elder, a abstraccionista mais doce que anda por aí no blues cósmico, MV é um free spirit e um pensador sem limites, uma autêntica versão contemporânea de todos os cidadãos livres e transcendentalmente americanos, sejam eles Walt Whitman, Jack Kerouac, Charley Patton ou Albert Ayler. Não há gravação sua disponível que não largue rastos de poeira lunar, a tal de que Buda, Platão e Wordsworth falavam e deixavam entrever. Enquanto guitarrista, poeta ou cantor, é único em misticismos e espacializações da vida terrena. O seu universo é de densidade eterna e brilho infinito, tudo aquilo em que toca ganha vida e vibração. Uma instituição norte-americana ambulante, obrigatória para quem quer sentir a obliteração divina de um sol na terra. Um verdadeiro original em épocas de marketização da imagem da liberdade mas não do seu conteúdo, criador de ética intacta, apenas interessado na progressiva destilação de uma expressão própria.
TIGRALA
Trio que tem deixado cada terra ao rubro por onde passa neste nosso país inacreditável, lindo e completamente esburacado, apresenta-se no Museu do Chiado nas vésperas da edição do seu primeiro álbum, com o selo nacional mais imponente a surgir em anos, o da Mbari.
A guitarra revolucionária de Norberto Lobo (aqui principalmente concentrado em tambura), o novo estado acústico do Guilherme Canhão (depois dos cometas feéricos dos Lobster), e o delírio vibrafonista de Ian Carlo Mendoza (que anda também a explorar percussões latinas várias, e todos os outros objectos - todos são possibilidades - onde a música existe), numa unificação muito rara.
Estão por aqui traços dos Tortoise de 'TNT' e de um Steve Reich de arraial metafísico, um teluricismo lusitano que compreende e transcende as coordenadas que Giacometti e associados nos deixaram. Um continuar das tradições tribais como aglutinadas por Don Cherry (e aqui redireccionadas para linguagem própria pelos Tigrala), mas acima de tudo, como em qualquer outra circunstância que envolva qualquer um destes músicos, o cerne vital desta coisa que aqui temos perante nós está noutro sítio, mais acima destas histórias de escrever. Está no maior dos amores pela música, no milhão de feixes de luz do encaixe milagroso que só existe nas circunstâncias mais empáticas de som e partilha - a alegria pura destes três homens que há pouco deixaram de ser miúdos, em desbravar estradas de melodia, ritmo e todos os transes, milagres e asceses que daí advém.
O nosso 'Art Ensemble de Mirandela' como nos disse um amigo há tempos, uma - aqui é mesmo - celebração para nos deixar com danças novas para todos os dias que daqui em diante nos surgirem pela frente.
HEAD OF WANTASTIQUET
Projecto a solo de Paul Labrecque, figura de destaque nos Sunburned Hand of the Man e, em perspectiva, constante e consistente luminário no underground norte-americano da última década, a acompanhar MV&EE em algumas das datas da presente tour europeia. Wantastiquet é uma montanha em New Hampshire, que Labrecque decidiu usar como constelação mental para configurar o seu pathos para errância e incerteza, na sua vida e na sua música. Vivendo actualmente na Bélgica, editou em 2008 o LP “Mortagne”, pela Ecstatic Yod, a sua visão pessoal de contemplação e deriva na natureza selvagem, um disco comprimido em termos de dinâmicas mas que se impõem pela premência do ruminar antigo da imersão no caminho, quando em caminho para nenhures em concreto. Um torpor mnésico ao comprido, plácido mas não anónimo, autoral mas não boçal. Apresenta-se no SARAU de Fevereiro munido do seu banjo, guitarra acústica e gravações de campo. Algures entre o sacro Doc Boggs e um Terry Riley a substituir The Edge num concerto de U2 na tour de promoção a “War”, esperamos sentir porque um projecto a solo é encetado quando sozinho se depura o que de mais recôndito um tem para oferecer.