Esta exposição organiza-se em torno dos movimentos que irromperam nestas décadas e procuraram uma pluralidade de expressões e conceitos para a arte moderna, revolucionando de forma ampla o panorama nacional. Realizada com os fundos da colecção do museu e apenas em casos específicos com o recurso a alguns empréstimos generosos, dá também conta de como esta colecção nacional se tem aprofundado de modo a representar a diversidade deste período.
Com as gerações de artistas que se revelaram nestas décadas assistiu-se a uma complexificação dos entendimentos e práticas que assumiram a radicalidade prometida nos primeiros modernismos do início do séc. XX e se desvaneceram nas décadas seguintes. Só a obra de Almada Negreiros, oriunda de uma primeira vanguarda, constituiu um trabalho de reflexão e aprofundamento de uma síntese do desenho, que neste período conhece novas reformulações radicalizando muitas das questões abordadas pelos primeiros modernismos.
Almada é assim uma figura tutelar e referencial da vanguarda histórica que se reelabora em sincronia com as jovens gerações. Estes anos 40 e 50 constituem assim uma mais complexa elaboração dos aspectos com que as práticas artísticas se articularam: seja a consideração da especificidade dos elementos plásticos, como aconteceu com o abstraccionismo geométrico, de que a obra de Fernando Lanhas foi pioneira, a par da de Nadir Afonso, e a que a obra de Joaquim Rodrigo, na década seguinte, deu nova configuração; seja a provocação de realidades sociais compungentes que o país e o mundo do pós-guerra viviam, a par de um entendimento da imagem produzido pelo cinema neo-realista ou pelas pinturas dos muralistas mexicanos e a que muitos pintores como Manuel Filipe, Júlio Pomar, Júlio Resende, Querubim Lapa, entre outros, foram sensíveis; ou seja ainda o inconsciente que opera a produção das formas, de que o surrealismo foi um modelo de experimentação, inicialmente abordado por António Pedro, logo seguido por António Dacosta, e que uma mais jovem geração, diversificada pelas práticas de Marcelino Vespeira, Fernando Azevedo, Fernando Lemos, Alexandre O’Neill, Jorge Vieira, Mário Cesariny e outros, desenvolveu.
Se estes três movimentos pontuaram a segunda metade da década de 40 e muitos dos seus aspectos se desenvolvem pela seguinte através de pesquisas individuais, uma clivagem atravessa a década de 50: o conflito entre figurativos e abstractos (onde se juntavam abstractos geométricos e pintores não figurativos), que de certa forma havia ocupado a década de 30 noutras europas.
Pintores vindos do surrealismo, como Vespeira, Azevedo, Calvet, experimentaram então a abstracção a par de outros – Manuel d’Assumpção, José Júlio – sob o signo maior de Maria Helena Vieira da Silva desenvolvendo reverberações cromáticas e em certos casos gestuais – como Jorge de Oliveira – numa infinita construção de “espaços ambíguos”, tal como José Augusto França a definiu.
Por outro lado, os pintores figurativos vindos das Exposições Gerais de Artes Plásticas da SNBA, onde o neo- realismo era uma linguagem dominante, ora aprofundaram as suas implicações, como foi o caso de Júlio Pomar, ora afastaram-se de uma temática marxista para procurarem um realismo exterior aos cânones naturalistas e simultaneamente capaz de devolver um pathos melancólico sobre o quotidiano, como aconteceu com Hogan, Sá Nogueira e Nikias Skapinakis, entre outros. No início da década seguinte estes dois últimos iriam desenvolver com importantes consequências algumas das questões então enunciadas nestes anos, em que a ditadura se fechou e estrangulou outras possibilidades, depois de uma esperança fugaz de abertura ao mundo trazida pelo pós-guerra.
Pedro Lapa