NO MNAC, estarão patentes trabalhos de dois artistas: Manuel Sendón e Yu Depeng
Cuspindo a barlovento, de Manuel Sendón
Desde muito novo que ouço, e às vezes até presenciei, histórias fantásticas relacionadas com o mar. O mar tão cheio de laranjas que adquiria a sua cor. Marinheiros que apanhavam nas suas redes conhaque francês. Uma aldeia pintada com leite condensado. Crianças com as bocas cheias de guloseimas em forma de chifres trazidas pelo mar. Barcos de ferro cravados nas rochas ou simplesmente largados no meio da areia…. O mar devolvia das formas mais inusitadas os objetos dos quais se tinha apropriado.
O caso do Prestige é bem diferente. O mar vomitou algo que não queria, algo que lhe foi atirado de forma não natural. O resultado era previsível, dado que os cientistas tinham estudado as correntes de Nadal que determinavam o regresso do fuelóleo à costa, mas o desprezo por este país fez com que os responsáveis nem sequer pedissem a opinião dos cientistas e se limitassem a cuspir a barlavento.
As rochas de Nemiña pareciam o negativo de uma instalação de Christo. A vista do Coído da Pedriña de Muxía era desoladora. Postes destruídos, árvores pretas, pássaros e caranguejos em agonia cobertos de alcatrão, rochas, areia, passeios, jardins, parques infantis negros. Tudo negro. Uma paisagem apocalíptica. Lembrava as imagens que foram transmitidas na 1ª Guerra do Golfo, em 1991, como a do pássaro coberto de petróleo, que mais tarde se revelou ser devido à maré negra causada pelo Exxon Valdez. Enquanto negavam reiteradamente a existência da maré negra.
Imediatamente, chegaram voluntários dos mais diversos lugares e, com as mãos e utensílios de outros trabalhos, iniciaram com entusiasmo uma tarefa para a qual não tinham sido treinados. Desta forma, os objetos cobertos de alcatrão adquiriram uma nova vida, tornando-se simultaneamente símbolo da situação que estava a ser vivida. Um trabalho desesperado, em que, como Sísifo, eram obrigados a limpar de novo as praias e enseadas que tinham deixado limpas na maré ant erior.
Os apanhadores de percebes da Costa da Morte viram seu modo de vida arruinado e responderam com energia também. Lembro-me da véspera de Natal na enseada de Touriñán, onde duas dúzias de apanhadores e apanhadoras de percebes recolhiam o alcatrão em sacos, como se estivessem a lavrar no campo, enquanto em segunda linha centenas de soldados não davam vazão ao que eles apanhavam.
Nas Rias Baixas, os marinheiros saíram para enfrentar o alcatrão, desafiando o mar e as proibições. Reconverteram panelas, forquilhas, ancinhos e outros utensílios do quotidiano enquanto os ferreiros desenhavam curiosos dispositivos próprios para a pesca do alcatrão, escrevendo uma das páginas mais épicas da história do mar na Galiza.
Enquanto o navio já só derramava “fios de plasticina”, o Instituto Hidrográfico Português informou-nos que na verdade continuava a vazar mais de 100 toneladas por dia. A informação foi apropriada por propaganda política, causando indignação coletiva. Como resultado, surgiu o movimento Nunca Máis, que reuniu centenas de milhares de galegos que exigiam o apuramento de responsabilidades, dignidade e um futuro para um povo que tinha sido maltratado. Movimento sem paralelo na história de um povo habitualmente representado como submisso e conservador. Sem deixar de ser um nome próprio, a expressão Nunca Máis converteu-se, mesmo fora da Galiza, em sinónimo de rebelião cívica contra a injustiça. Viva o espírito do Nunca Máis.
O caso do Prestige é bem diferente. O mar vomitou algo que não queria, algo que lhe foi atirado de forma não natural. O resultado era previsível, dado que os cientistas tinham estudado as correntes de Nadal que determinavam o regresso do fuelóleo à costa, mas o desprezo por este país fez com que os responsáveis nem sequer pedissem a opinião dos cientistas e se limitassem a cuspir a barlavento.
As rochas de Nemiña pareciam o negativo de uma instalação de Christo. A vista do Coído da Pedriña de Muxía era desoladora. Postes destruídos, árvores pretas, pássaros e caranguejos em agonia cobertos de alcatrão, rochas, areia, passeios, jardins, parques infantis negros. Tudo negro. Uma paisagem apocalíptica. Lembrava as imagens que foram transmitidas na 1ª Guerra do Golfo, em 1991, como a do pássaro coberto de petróleo, que mais tarde se revelou ser devido à maré negra causada pelo Exxon Valdez. Enquanto negavam reiteradamente a existência da maré negra.
Imediatamente, chegaram voluntários dos mais diversos lugares e, com as mãos e utensílios de outros trabalhos, iniciaram com entusiasmo uma tarefa para a qual não tinham sido treinados. Desta forma, os objetos cobertos de alcatrão adquiriram uma nova vida, tornando-se simultaneamente símbolo da situação que estava a ser vivida. Um trabalho desesperado, em que, como Sísifo, eram obrigados a limpar de novo as praias e enseadas que tinham deixado limpas na maré ant erior.
Os apanhadores de percebes da Costa da Morte viram seu modo de vida arruinado e responderam com energia também. Lembro-me da véspera de Natal na enseada de Touriñán, onde duas dúzias de apanhadores e apanhadoras de percebes recolhiam o alcatrão em sacos, como se estivessem a lavrar no campo, enquanto em segunda linha centenas de soldados não davam vazão ao que eles apanhavam.
Nas Rias Baixas, os marinheiros saíram para enfrentar o alcatrão, desafiando o mar e as proibições. Reconverteram panelas, forquilhas, ancinhos e outros utensílios do quotidiano enquanto os ferreiros desenhavam curiosos dispositivos próprios para a pesca do alcatrão, escrevendo uma das páginas mais épicas da história do mar na Galiza.
Enquanto o navio já só derramava “fios de plasticina”, o Instituto Hidrográfico Português informou-nos que na verdade continuava a vazar mais de 100 toneladas por dia. A informação foi apropriada por propaganda política, causando indignação coletiva. Como resultado, surgiu o movimento Nunca Máis, que reuniu centenas de milhares de galegos que exigiam o apuramento de responsabilidades, dignidade e um futuro para um povo que tinha sido maltratado. Movimento sem paralelo na história de um povo habitualmente representado como submisso e conservador. Sem deixar de ser um nome próprio, a expressão Nunca Máis converteu-se, mesmo fora da Galiza, em sinónimo de rebelião cívica contra a injustiça. Viva o espírito do Nunca Máis.
Manuel Sendón
Sardinheiro, abril 2003
Cielo redondo y Tierra cuadrada, de Yu Depeng
Céu redondo e Terra quadrada é a expressão usada na China antiga para descrever o mundo, inspirando artistas chineses a pintar a natureza. Yu Depeng “transforma” a sala de exposição/projeção, dando-lhe a atmosfera típica da pintura paisagística chinesa ou shanshui (“montanha e água”). Esta proposta artística chama a atenção para a emergência climática e para a insustentabilidade das práticas contemporâneas, enaltecendo a singularidade do pensamento tradicional chinês como alternativa no caminho para a sustentabilidade social e ambiental. Para isso, aplica conceitos fundamentais do pensamento e da arte tradicionais chineses, que concebem, por exemplo, uma relação entre o homem e a natureza em que o primeiro é apenas mais uma parte da segunda e não está acima dela, promovendo assim a coexistência do espaço humano com o natural. Este é um convite ao descanso, ao diálogo, à meditação.