(…) Eram mesas em que estavam o Viana, o Almada, a Vieira da Silva e o Arpad também apareceram lá. Havia uns grupos e havia uns PIDES. Mas era um ponto de encontro, era a Brasileira. A Brasileira realmente tinha uma vida especial.
Manuel Baptista, 29-10-2020
A evocação do pintor Manuel Baptista, acerca da Brasileira dos anos de 1960, traduz bem a qualidade das memórias deste pequeno/grande café lisboeta, fundado em 1908 por Adriano Teles e mantido, quase miraculosamente ao longo de mais de um século, em relação aos valores decorativos que o modernizaram em 1925. É por isso a mais prestigiada «Loja com História» da cidade, provando quanto a salvaguarda exigente dos patrimónios não conflitua, antes pelo contrário, com um desempenho económico bem sucedido.
Se a arquitectura e a decoração do estabelecimento são uma imagem reconhecida, tal como o célebre anúncio sobre o “Melhor Café…”, há outra componente da sua representação que aqui especialmente nos interessa: as onze pinturas que a decoram, da autoria de prestigiados artistas portugueses e ali estão (com excelente conservação) desde 1971, quando foram encomendados por um júri de críticos de arte conceituados. Os quadros facilmente atraem o olhar curioso dos frequentadores e dos passantes, mas a maioria não saberá que a actual “exposição” substituiu outra, inaugurada em 1926 e que ali se manteve até 1970.
A celebração dos 50 anos da segunda decoração de A Brasileira com quadros de artistas modernos foi a razão de ser da exposição no Museu Nacional de Arte Contemporânea e do seu catálogo. Vizinhos no prestigiado bairro do Chiado, Museu e Café partilham memórias, confrontos e colaborações e desejam que esta celebração se traduza no reforço desses elos, criando um circuito apetecível entre ambos: no Museu será possível ver alguns dos quadros da decoração de 1925 e um conjunto de documentação em grande parte inédita da decoração de 1971, nomeadamente fotografias da colocação das pinturas nas paredes de A Brasileira, exactamente na noite de 26 de Junho de 1971.
Exposição no MNAC
Catálogo A Brasileira do Chiado. Café-museu 1925-1971
O catálogo, realizado com o apoio da empresa gestora do café, Valor do Tempo, e, a Fundação Millenium bcp, organiza-se em três núcleos fundamentais que abordam a criação do café-museu, no Chiado, em 1925 e 1971. A abordagem histórica das pinturas de 1925 contou com o estudo e análise de Inês Silvestre, o ensaio crítico de Raquel Henriques da Silva coloca questões acerca das escolhas das peças e perspetivas dos críticos de arte que as selecionaram e Maria de Aires Silveira reflete sobre a temática dos cafés na capital, desde inícios do século XIX, de modo a caracterizar o perfil da cidade e as zonas de inscrição destes estabelecimentos no espaço citadino, permitindo a frequência e convívio de intelectuais. No caso de A Brasileira, no Chiado, a presença de pinturas modernistas identificou-a como um Museu moderno, permeável a novas propostas.
De 25 de Junho a 26 de Setembro de 2021