Nedko Solakov, Nature People, 2002
Nedko Solakov, Nature People, 2002

Sala Polivalente

entrada: Condições Gerais

Nature People

Nedko Solakov

2002-07-27
2002-09-29
Curadoria: Pedro Lapa
Em Nature People, um conjunto de sete fotografias apresenta detalhes de paisagens que preenchem a totalidade do enquadramento sem linha de horizonte, realizado por Angel Tzvetanov, fotógrafo contratado pelo artista para o efeito, e expostas pelo comissário da exposição, deliberadamente sem interferência do artista, como se tratasse de uma exposição convencional de fotografia paisagística. Estas constituem a superfície de inscrição dos desenhos realizados pelo artista depois das referidas fases estarem concluídas. O desenho assume assim uma clara implicação com o contexto que o motiva aceitando o incidente e a contingência como desmistificação de qual­quer consideração sua enquanto anterioridade pura, imune a esses aspectos. O desenho surge por isso como resposta a uma motivação precisa que no entanto não se esgota na sua determinação. A relação que mantém com um pormenor da fotografia é intensa, subversiva e humorada, concentrando aí a atenção de forma a desarticular o pormenor em causa do conjunto onde se insere. De  facto os peque­nos desenhos que se articulam com os pormenores da fotografia des­realizam o seu todo, funcionam como agentes de sabotagem que minam pormenor a pormenor a totalidade da imagem. Duas escalas estão presentes: uma natural, constituída pelas  fotografias e respec­tiva dimensão atribuída à flora fotografada; outra microscópica dada pelos minúsculos desenhos inscritos nas fotografias, apenas percep­tíveis na proximidade física da imagem. O curioso é que para que possamos percepcionar este mundo microscópico dos desenhos, tenhamos de perder a visão total da imagem fotográfica e mergulhar num dos seus pormenores e, consequentemente, para voltarmos à totali­dade da imagem fotográfica, tenhamos de perder, por instantes, as miríades de histórias que as povoam "invisivelmente". Este processo experimentado  fisicamente pelo próprio observador implica-o na produção dos encontros com esse minúsculo universo subversivo. A participação do observador é instigada  por um sinal que abre uma situação específica proposta por um desenho e este produz relativa­mente ao contexto da imagem fotográfica onde se situa uma linha de fuga ou movimento de desterritorialização da ordem da imagem. Existe entre o desenho e o pormenor fotográfico, onde aquele se inscreve, uma associação próxima do processo de associação livre e subjectiva que deixa flui e ‘desenhar-se' uma cadeia significante animada pelo desejo. No entanto, estes desenhos e legendas não são a pura manifestação de uma pulsão da líbido, como acontece geralmente com os grafitos escritos numa qualquer porta de W.C.. As situações para que remetem são elas também outros impasses, onde o desejo que animou e construiu estes grafitos se confrota com muitas outras realidades, como se a fuga que traçam acabasse sempre por esbarrar numa ordem qualquer. No entanto, a proliferação destas linhas de fuga que continuamente irrompem a partir dos pormenores da imagem fotográfica perfuram-na na sua aparente solidez. A estrutura da imagem que a remete para uma tipologia definida vê-se continuamente deslocada e subvertida. Contrariamente ao entendimento kantiano do desenho como essencialidade formal das artes visuais, ele instaura a proliferação do excesso e do suplemento como comentário desestruturador. Uma instabilidade na homogeneidade da ordem da representação é pois produzida por este grafiar da superfície da fotografia. A imagem torna-se então esse lugar de tensões tão díspares quanto as posturas que os observadores  assumem no processo de descoberta, a tipologia e o tema que une as fotogra­fias, os microdesenhos e legendas fabulando inúmeras narrativas, a diversidade de códigos com que estes se articulam, as ordens de considerações narrativas ou relativas ao objecto onde se inscrevem e suas marcas e acidentes.

Pedro Lapa
Director do Museu do Chiado - Museu Nacional de Arte Contemporânea