Referência fundamental da história da arte em Portugal e, provavelmente, o mais notável artista da primeira metade do nosso século XX, Mário Eloy constitui um caso onde notoriamente se entrelaçam a vida e a arte.
Quase autodidacta na sua formação, extraordinariamente intuitivo e atento ao pulsar da contemporaneidade, Eloy soube, melhor que qualquer outro artista do nosso segundo modernismo, traduzi-la na pintura e no desenho.
Uma existência aventurosa conduzi-lo-ia, primeiro, a Madrid e Sevilha, depois a Paris e a Berlim, num percurso de descoberta e atenção aos artistas modernos e de afirmação de uma veia expressiva, que com o seu temperamento inflamado se acertou.
Dos retratos, Eloy passou para a transfiguração das mitologias e dos ícones lisboetas das varinas e das paisagens urbanas, aquelas impositivas e quase ameaçadoras, estas crescentemente imaginárias e oniricamente distorcidas. Uma fase de maturidade, na redescoberta de um cânone classicista, patente em nus e auto-retratos, foi igualmente interlúdio e veículo de maturidade para a reflexão sobre o drama vivencial do próprio artista, no quadro internacional do drama alemão e histórico. A inquietação e a ansiedade de Eloy materializaram-se em formas e cores irrealistas, verdadeiro grito contra o desconcerto das coisas, insuficiente também ele para o apaziguamento da sua personalidade.
Incompreendido e apoiado por poucos, apesar de reconhecido, e com escassos amigos devotados - Diogo de Macedo, António Ferro e, sobretudo, o arquitecto Jorge Segurado, companheiro da adolescência - o drama de Eloy, agravado pela doença, culminaria na renúncia de si e do mundo, e no exílio forçado na casa de saúde do Telhal, anunciado pelas fantasmáticas visões de morte e ressurreição das derradeiras obras.
Tempestuoso e solitário em vida, exemplo certo de talento inato, senão de génio, Eloy é hoje unanimemente aclamado no panorama do modernismo em Portugal. Singularmente porém, e apesar de uma fugaz homenagem promovida em 1958, após a sua morte pelos (poucos) amigos, Eloy não havia sido, até agora, objecto da retrospectiva que há muito se impunha e que reavaliasse a importância fulcral da sua obra.
A exposição Mário Eloy, que agora se apresenta, é fruto de um longo e criterioso trabalho de investigação e pesquisa, promovido por uma equipa eficientemente dirigida por Raquel Henriques da Silva, Directora do Museu. Do mesmo modo, salienta-se o laborioso trabalho de conservação, investigação laboratorial e restauro realizado pelo Instituto de José de Figueiredo, bem como o consequente estudo material da pintura de Eloy, que neste catálogo se inclui, e ainda o contributo imprescindível do Arquivo Nacional de Fotografia. Uma palavra de especial apreço merecem ainda as Instituições que cederam obras para esta notável retrospectiva - nomeadamente o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian - os coleccionadores particulares que, generosamente, igualmente as emprestaram, e ainda a Arquitecta Madalena Eloy e o Pintor Paulo Ferreira, que permitiram o revisitar da figura de Eloy, através do seus testemunhos, memórias e documentos.
A personalidade, o talento e o universo de Mário Eloy ficam assim, finalmente, justamente homenageados e colocados ao alcance do grande público. O presente catálogo é, sem dúvida, uma obra de referência, indispensável a especialistas e amadores de arte, cumprindo, mais uma vez, uma das grandes linhas programáticas do Instituto Português de Museus, na criação de um laço efectivo entre a investigação, a conservação e a catalogação do património cultural móvel a sua musealização e divulgação.
Simonetta Luz Afonso
Directora do Instituto Português de Museus
MNAC
entrada: Condições GeraisExposição retrospectiva
Mário Eloy
1996-07-12
1996-09-29
Curadoria: Raquel Henriques da Silva / Pedro Lapa / Maria de Aires Silveira / María Jesús Ávila
Em Exibição
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Biografia do traço. Desenhos da colecção MNAC - 1836//2024
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Cuspindo a Barlovento
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