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Pedro Moitinho

Pedro Moitinho

1998-07-17
1998-10-11
Curadoria: Pedro Lapa
Desenhar um Rectângulo


Nesta instalação, , i. e. o vídeo e o desenho coexistem muito curiosamente no engendramento de uma mesma forma . A um rectângulo desenhado a carvão numa parede branca sobrepõe-se a projecção vídeo da sua realização. Tão simples como isso! No entanto mediante uma observação mais atenta várias questões começam a ganhar corpo e a complexi­ficarem-se. Assim não estamos perante um rectângulo desenhado que a sobreposição do vídeo documenta, nem sequer perante uma sucessão de movimentos registados pelo vídeo tendentes a uma efectivação de que o desenho seria o fim. O vídeo e o desenho são nesta peça os possíveis vestígios de um mesmo gesto de definição, espacejados por uma ausên­cia que os conjuga. Vale a pena determo-nos na análise deste processo em que a dimensão temporal desempenha um papel fulcral.
O rectângulo desenhado e o rectângulo filmado mantêm entre si relações temporais extremamente ambíguas. Diante desta instalação não é muito clara a ordem cronológica de um relativamente ao outro. Por um lado, o rectângulo a que assistimos à sua factura - o do vídeo - e que se sobrepõe ao desenhado, ser-lhe-ía supostamente anterior, todavia as linhas que a mão do artista vai traçando estão já concretizadas pelo desenho na parede, como se o passado existisse no futuro; por outro lado, a presença do rectângulo desenhado na parede e que supostamente designa um tempo futuro, ou seja, a completude do gesto que o vídeo regista, pré-existe à sua realização, como se o futuro antecedesse o passado. Estes paradoxos podem, por isso, explicar a razão pela qual a relação do vídeo com o desenho não é de causa e efeito, mas a presentificação de uma ausência a que a inscrição de um signo está sujeita . E aqui trata-se de um e o mesmo signo que a apresentação revela como descontinuidade intrínseca à sua condição.
Recentemente numa exposição na Tramway em Glasgow, Pedro Moitinho apresentou um trabalho Untitled so far, 1998, onde este processo de descontinuidade surpreendia o visitante. O artista instalado num palco, sentado a uma mesa, descreve verbalmente, num computador, tudo quanto acontece no espaço da exposição. Simultaneamente, o écran do computador onde o artista faz as descrições, é projectado sobre a porta da saída da exposição e permite a sua leitura de forma não imediatamente associada à imagem do artista que, no meio da sala, escreve qualquer coisa a que ninguém tem acesso. Mais dissociado resulta o apare­lho de fax colocado noutro ponto estratégico que debita um interminável rolo de papel com as mesmas descrições. De alguma forma o que também em Untitled so far está presente é a dissociação de uma unidade perceptiva através da dessincronização do presente.
Outro aspecto levantado pela articulação entre o vídeo e o desenho do mesmo rectângulo em , i. e. é o da virtualização a que ambas as formas são submetidas uma pela outra. Entre as presenças material e luminosa do desenho e em virtude da relação temporal estabelecida, ambas as presenças se tornam virtualidades do sentido que as excede. O senti­do é então uma ausência, por isso desenho e vídeo são as respectivas actualizações, condenadas à virtualidade, fora de qualquer relação de causa e efeito.
O corpo é um terceiro elemento acrescentado pelo vídeo. Vive interposto entre o rectângulo e a sua projecçào, testa continuamente os limites deste rectângulo, desaparece e aparece, ultrapassa a ordem do visível que a projecção vídeo e o desenho definem e, sobretudo, contextualiza o sentido do próprio rectângulo. Em jogo para a mão esquerda, de 1997, Pedro Moitinho realizou um vídeo para os espaços da Fundação Antonio Ratti, em Como, que consistia nos movi­mentos de uma mão que borda alguns tecidos cosendo os próprios dedos. A sua apresentação era feita através de um monitor colocado no chão de uma sala cujos frescos apresentavam panejamentos sobrepostos uns aos outros.
O envolvimento do corpo na definição de um território que , i. e. explora tem assim alguma recorrência nos trabalhos prévios do artista. Aqui a sua existência é sobre o limite, com ele se confunde e sobre ele se interroga, já que o rec­tângulo desenhado é o limite da câmera de filmar. Neste sentido o limite, sendo um dado prévio - a projecção do vídeo -, é ultrapassado pelo corpo que o inscreve sob a forma de um rectângulo irregular. O desenho e o vídeo transformam­-se nos vestígios de um acto de inscrição. A irregularidade e a repetição sublinham o adestramento a um território que o corpo assume e do qual, simultaneamente, está a mais. O seu sentido será o do excesso ou seja a impossibilidade de um território, de um rectângulo.

Pedro Lapa