De facto Kurt Schwitters foi ele mesmo coleccionador dos trabalhos dos seus colegas. Por razões determinadas essa colecção foi vendida e, posteriormente, desde 1980, o seu filho foi construindo pacientemente uma colecção centrada nos círculos de influência e acção do pai. A colecção traça um percurso que é o das complexas e diversas relações entre as vanguardas que se sucederam ao Cubismo e desenvolveram contra e para lá dos retornos à ordem, que no sul europeu foram dominantes. Recentemente o Museu do Chiado teve oportunidade de apresentar um panorama espanhol deste período (De Picasso a Dali. As raízes da vanguarda espanhola 1907-1936), a par da situação portuguesa, revelada pela colecção permanente do museu, e a este respeito, a presença esmagadora dos retornos à ordem, em idêntico período, na Península ibérica, não deixa duvidas.
O percurso biográfico de Kurt Schwitters confunde-se com alguns movimentos históricos de extrema importância na construção da modernidade internacional e a consciência plena do facto, tera sido um importante ponto de partida para a organização e sentidos desta colecção aprofundada e periodologicamente bem delimitada. Assim os vários círculos como o da revista e galeria Der Sturm, a Internacional Construtivista, o Construtivismo Russo, a Abstraction-Création, mais do que contactos fortuitos de uma errância pessoal, configuram uma sucessão histórica cujos particulares elos, forjados pelas relações do pai Kurt e tematizados pela colecção do filho Ernst, encontram, neste conjunto, um entendimento específico de particular relevância sobre os caminhos da modernidade. A sua complexidade e diversidade e assumida através do dialogo entre diversas atitudes e movimentos plásticos ligados a abstracção. O papel fulcral que a colagem desempenhou e de que Kurt Schwitters foi um expoente do seu desenvolvimento, é nesta colecção e exposição tematizador, quando não mesmo desconstrutor, dos sentidos transcendentais conotados com muitas práticas da arte abstracta. No fundo a relação entre o dadaísmo genuíno de Kurt Schwitters, associado a colagem e montagem - consciente dos "novos media na pintura", de que Richard Hülsenbeck falava no Primeiro Manifesto Dada Germânico -, com o Construtivismo, que procura extrair sentidos das técnicas que elaboram o objecto artístico, enquanto realidade autónoma, potencia um núcleo de questões centrais às vanguardas.
O contexto de novos media e técnicas, em que a colagem e a montagem se tornam processos relevantes, sobrepõe à noção tradicional de composição uma articulação de esquematismos inerentes aos contextos sociais de produção. Este aspecto vem redimensionar a ideia de autonomia da obra de arte para que a abstração tende. Inscreve-a num contexto histórico e é a sua própria consciência. Neste sentido a viagem de Kurt Schwitters pelos construtivismos tera sido de alguma cumplicidade e amplificação de questões comuns.
Um conjunto de fotografias de Ernst Schwitters é também exposto. Ernst Schwitters manteve uma longa amizade com László Moholy-Nagy, e tendo sido fotografo de profissão, desenvolveu com este técnicas e experiências deveras interessantes e, por vezes, pioneiras. O olhar do fotógrafo tera sido determinante na orientação das relações e questões desta colecção.
Outro olhar igualmente importante sobre esta colecção e que permitiu estudá-la e organizá-la numa exposição terá sido o de Marcus Heinzelmann, o seu comissário a quem gostaria de expressar o louvor pelo magnifico trabalho realizado e absoluta disponibilidade para connosco a pensar para o publico português. A Ulrich Krempel, director do Sprengel Museum Hannover, vão os mais vivos reconhecimentos do entusiasmo com que acolheu esta iniciativa. A Holger Reenberg, do Arkem Museum for Moderne Kunst, quem me apresentou pela primeira vez esta fantástica colecção, em Copenhagem, queria manifestar o meu reconhecimento. A Maria Jesús Ávila e à Amélia Godinho, ficará a dever-se tudo o que tornou possível esta exposição em Lisboa, sem esquecer a imprescindível participação de toda a equipa do Museu do Chiado. Raquel Henriques da Silva, directora do Instituto Português de Museus, foi a todos os títulos entusiasta, fraterna e compreensiva durante a realização deste projecto.
O apoio prestado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha foi importante, pelo que deixo aqui o meu reconhecimento.
O patrocínio da TMN foi um notável exemplo de participação cívica e cultural de uma empresa a que gostaria de expressar o mais vivo reconhecimento.
Mas é sobretudo para a memória de Ernst Schwitters coleccionador, que sua mulher Lola Schwitters e seu filho Bengt Schwitters souberam preservar, que vão os nossos mais profundos agradecimentos.
Pedro Lapa
Museu do Chiado