Jimmie Durham, Interruptions, 1999
Jimmie Durham, Interruptions, 1999

MNAC

entrada: Condições Gerais

Interruptions

Jimmie Durham

1999-05-07
1999-06-27
Curadoria: Pedro Lapa
Paralaxe, pontos de vista & uma deriva
Pedro Lapa



Esta instalação de Jimmie Durham teve como ponto de partida uma memória da colecção de pintura do Museu do Chiado, particularmente do seu núcleo oitocentista de declarado pendor regional e assimétrico de uma modernidade internacional. Não existe contudo uma alusão directa a esse núcleo que implique um profundo conhecimento, mas este trabalho também não se apresenta descontextualizado e indiferente a eventuais questões que uma visita a este museu possa suscitar. Ou melhor, se quisermos descrever o processo, este trabalho parte de um sonho do artista que transfigurou a memória que tinha de um pu­nhado de pinturas. lnterruptions configura assim a deslocação a que um conjunto de signos é submetido por um ponto de vista, que não pretende ser a representação de um determinado contexto histórico, mas a deriva promovida e que é declaradamente subjectiva, histórica e culturalmente exterior. Este facto vem valorizar a contingência temporal como uma estratégia de reflexão.
Assim, à primeira vista, os elementos que constituem esta instalação - o barco, as pedras, os restos de madeiras e paus flutuantes - surgem como uma pintura tradicional, com a particularidade desta ser habitável. No entanto, a mesa vem introduzir uma discreta nota de discordância neste ambiente e, sobretudo, justapor algo que se não relaciona direc­tamente com ele. Todos estes elementos estão coloridos a tinta acrílica, com cores muito intensas e o seu esquema de relações é completa­mente diferente das referências plásticas para que a tipologia de ele­mentos parece apontar, com isso criando uma nova deslocação. O visi­tante pode percorrer esta pintura nas suas três dimensões e constatar como os seus referentes não estão representados, mas transformados pela própria pintura que os cobre e os revela como signos pictóricos. Por isso o signo não representa o seu referente, como seria característico do entendimento de uma pintura naturalista, nem o referente é pura e simplesmente deslocado através de uma operação de teor linguístico ou nominalista se se quiser, como se tratasse de um ready-made. Nesta instalação, referente e signo coabitam através de uma sobreposição, que mais não faz do que revelar como toda a percepção entende o signo enquanto vestígio e inscrição de um contexto, com todas as suas condi­cionantes culturais, políticas ou históricas. Que estes aspectos sejam declarados estritamente através da sobreposição de linguagens visuais, aí residirá a sua novidade, mesmo para o conjunto da obra de Jimmie Durham, onde estas deslocações são normalmente forjadas através da relação entre texto e imagem. A ambiguidade, com que os tradicionais signos de uma conjuntura cultural são jogados, interroga o seu papel de agentes de um quadro identitário para que apontam, através do con­traste e transformação do domínio visual que sofreram. A deslocação de um    esquema visual, historicamente consignado, para outro alheio, temporal e culturalmente diferente, é introduzido pela recon­figuração pictórica de todos os elementos do conjunto e funciona sem recurso directo à linguagem verbal. Apenas a implica, consequentemente. O circuito entre linguagem visual e verbal, recorrente em muitas obras do artista, é então interrompido nestas lnterruptions. Não que os textos não façam parte do conjunto, o que é erradicado é a sua hegemonia relativamente à imagem. A possibilidade de se tornarem explicativos e recodificadores dos signos visuais, atribuindo-lhes identidades normativas, bloquearia as diferenças dentro de um esquema binário e totalizador. Por isso os textos apresentam uma diferença irredutível relativamente aos outros elementos visuais. O que aqueles promovem é uma diversidade de contextos que são concomitantes com as questões suscitadas por estes. Assim o dicionário de Porepecha-Português, suspenso do tecto, no início do percurso pela instalação, funciona como signo de tradução e, depois de lido, não deixa de se revelar enigmático, já que a tradução linguística pouco nos ajuda a compreender os jogos, as emoções ou os conceitos de outro contexto cultural. Paralelamente algo semelhante ocorre com os elementos visuais que são traduzidos de um tempo para outro e permanecem disjuntivos.
Um outro texto, pregado numa parede, “A Bem da Nacão”, acumula em associação livre um conjunto muito heterogéneo de leituras, notícias e factos num mesmo fio discursivo organizado pela subjectividade do próprio artista. A diversidade de motivos encontra um denominador comum nos vários significantes do poder político, enquanto exercício de coerção à custa de qualquer ironia. Por fim, um texto citando a “Leitura de uma onda” do Palomar de ltalo Calvino ao pretender uma descrição tão completa quanto possível do fenómeno, complexifica as suas possibilidades até declarar o próprio objecto como uma circunstancia. Realmente ele aparece sempre como momento de um sistema e conse­quentemente provocador de múltiplos pontos de vista.
Então temas como a tradução cultural a coerção política ou a com­plexidade da percepção e do objecto percepcionado, suscitados por estes textos, podem revelar-se próximos das questões levantadas no domínio visual e confrontá-las sem com isso lhes confinar o horizonte de significação.
A discontinuidade entre os objectos e os textos que se lhes interpõem fragmenta qualquer unidade do plano visual ou do plano verbal. As diver­sas categorias dos signos cedem lugar umas às outras através de uma montagem que povoa o espaço da instalação de referências culturais diversificadas e as desloca com consequentes mudanças de sentido e ressonâncias. As várias proveniências e diferenças culturais que coexistem superam, neste contexto, a imobilidade histórica das suas refe­rências e geram um horizonte mais produtivo e criticamente activo.
O tempo, entendido como contingência inerente a todo o lugar, é passível de ser um instrumento potenciador das diferenças que orga­nizam os discursos verbais ou visuais e de promover a crítica a uma visão normalizadora e hegemónica da própria história. Neste sentido quer os valores naturalistas, no seu paisagismo anti-moderno, quer a sua transfiguração moderna, irremediavelmente periférica e submeti­da ao estatuto de espectador de outro mundo - como o artista que no texto "A Bem da Nação" espreita o mundo -, desvinculam-se da sua normatividade e assumem-se como uma marca conflitual que gera for­mas de significação e de uma procura da sua própria narrativa ou história. Neste acto o passado é projectado e toca o presente. Rompe­-se a cumplicidade entre ambos e abre-se um espaço de revisão em que os valores que os signos transportam são encenados e revelados nas suas  implicações.
A pintura naturalista, na sua crença de uma visualidade mimética do real, aqui deslocada e transfigurada, revela uma conflitualidade que não é menor que a de Palomar, no texto de ltalo Calvino, ao tentar ver uma onda. Então esta paisagem de lnterruptions, encenada através de alguns dos seus signos, que transportam os próprios referentes, é possível adi­vinhá-la, ainda que a par dos mecanismos culturais da adivinha.

Em Exibição

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