A VIDA DAS IMAGENS DE JOÃO TABARRA
Pedro Lapa
As Che Guevara said during the 1960’s, whatever you do, that’s your trench. So this is my trench and I trust my agenda. People misunderstand this, thinking that for the “revolution” to succeed, everyone must literally go into the trenches. But no, we need hairdressers, bakers, carpenters, pastry chefs, artists - not just guerrillas. As it is impossible to ever escape ideology, maybe the only way out is to work with the different levels of contradictions in our culture.
Felix Gonzalez-Torres
Foi a partir de 1993 que o trabalho de João Tabarra, até aí situado exclusivamente no domínio da fotografia, sofreu uma significativa alteração. Ao rigor do preto e branco de uma fotografia forjada em enquadramentos que tiravam partido das geometrias dos lugares, servida por uma distribuição sensitiva e poética da luz, sucedeu-se uma consciência do valor dos signos e das imagens ou da respectiva circulação de sentidos. Como muitos outros artistas da sua geração afastou-se de uma prática artística confinada à exploração de um medium e das suas possibilidades para aprofundar uma interrogação sobre os laços que constituem os sentidos das imagens. A fotografia pode aparecer assim no seu trabalho com características mais ou menos convencionais, passíveis de aproximação aos tradicionais e variados domínios que a sua prática literal serve, todavia as respectivas regras formais passam a constituir um engodo, através de uma deslocação de contexto, enquadramento ou subtil narrativa. As expectativas do observador são por isso deslocadas e os aspectos conceptuais subjacentes revelam-se constitutivos de um acto crítico. De resto, importa salientar que o trabalho de João Tabarra não se circunscreve à fotografia, antes desenvolvendo uma deriva por outros suportes como o vídeo ou o objecto. Não se trata já de explorar as possibilidades de um medium à boa maneira Modernista ou de o revisitar como cenário de uma poética anterior ao trabalho artístico assim confinado à sua materialização, como aconteceu com alguns trajectos conservadores surgidos num contexto Pós-moderno.
A deslocação do medium supõe uma arqueologia de sentidos mais profunda do que as suas práticas literais revelam. As condições da significação, sejam elas de natureza semiótica, social, antropológica ou política, tornam-se susceptíveis de objectivação e revelação dos mecanismos intrínsecos. Neste sentido, grande parte do trabalho artístico próprio da geração de João Tabarra tem-se desenvolvido nestes pressupostos críticos. Se muitos artistas de uma geração anterior, na sequência da Pop Art, iniciaram um trabalho centrado nos valores ideológicos latentes das imagens mediáticas e daí procederam a uma reutilização e recontextualização crítica dos seus processos de significação, tomados quase sempre de um ponto de vista social, nos trabalhos desta geração - a de João Tabarra - o processo foi ampliado e assiste-se sobretudo a um trânsito entre o social e uma exposição do domínio biográfico e pessoal, com isso estabelecendo o respectivo apagamento das fronteiras desta dicotomia. De certo modo, o percurso de João Tabarra é exemplar deste movimento.
No curso do seu trabalho é notória uma noção de estratégia que passa por uma infiltração e intervenção em situações sintomáticas recreadas. A agressão directa ou a subversão provocatória são preteridas por não suscitarem um potencial comunicativo. O reconhecimento de situações comuns de teor vagamente narrativo funciona como dispositivo embraiador de interrogações que procura suscitar no público. Em todos os trabalhos o humor opera uma sedução quase imediata que potencia o seu aspecto comunicativo, mas paralelamente é o modo de analisar e confrontar os vários aspectos da imagem, a sua pretensa retórica ou mesmo ideologia, que se desvelam como trama absurda de manipulação. As imagens surgem por isso sobrecodificadas: a uma pretensão ideológica declarada sobrepõe-se o olhar que devolve os mecanismos que a geram. A condição anti-heróica e de ‘travestimento' da imagem pode ser explorada com ironia e o humor que envolve situar-se no pólo oposto ao da anedota, antes se afirmando como um diálogo sobre a lucidez.