A Ocasião de um Ocaso & Outros Signos
Pedro Lapa
Moi aussi, je me suis demandé si je ne pouvais pas vendre quelque chose et réussir dans la vie. Cela fait un moment déjà que je ne suis bon à rien. Je suis âgé de quarante ans...
L'idée enfin d'inventer quelque chose d’insincère me traversa l'esprit et je me mis aussitôt au travail. Au bout de trois mois, je montrai ma production à Ph. Edouard Toussaint le propriétaire de la galerie Saint Laurent. Mais, c'est de l'Art, dit-il et j'exposerais volontiers tout ça. D'accord lui répondis je. Si je vends quelque chose il prendra 30%, ce sont, paraît-il des conditions normales certaines galeries prenant 75%. Ce que c'est? En fait, des objets.Marcel Broodthaers
Para um visitante desta exposição que entre na sala e tome contacto com o extenso número de anúncios publicados em muitos jornais, publicitando a venda ou permuta de obras de Miguel Palma, agora apresentados numa bancada ao som de muitas conversas telefónicas é o fim de um processo que assim se revela concluído. Realmente durante cerca de um mês o artista fez publicar anúncios nas mais diversas secções de muitos jornais nacionais e estrangeiros, onde propunha a venda ou troca dos trabalhos artísticos realizados até à data de forma mais ou menos desesperada, cabotina e oportunista. Aparentemente contornava os circuitos estabelecidos de um mercado específico - o de arte - para elidir qualquer mediação, transpor os códigos e respectivas convenções, e em certa medida confrontar-se com a incomunicabilidade resultante e claramente patenteada nas gravações sonoras dos diálogos com os potenciais interessados nos objectos enquanto tal e apenas, certamente que não em obras de arte.
Este processo permitiu assim a Miguel Palma experimentar os códigos e valores associados à obra de arte por via do seu circuito receptivo, bem como naturais implicações na definição do estatuto do objecto artístico. Importa aqui recordar ou mesmo traçar uma genealogia dentro do cômputo da produção do artista para esta obra e que bem pode constituir uma linha definida de actuação do seu trabalho, entre outras. Em 1994, a peça Mil contos dentro de um cofre era literalmente constituída por um cofre de médias dimensões cuja informação do título criava uma expectativa frustrada pelo facto daquele se achar fechado. A estratégia do readymade de que aparentemente o artista faz uso é deslocada de modo a reinterpretar o procedimento dadaísta à luz de um contexto económico-cultural diferente.
Este processo permitiu assim a Miguel Palma experimentar os códigos e valores associados à obra de arte por via do seu circuito receptivo, bem como naturais implicações na definição do estatuto do objecto artístico. Importa aqui recordar ou mesmo traçar uma genealogia dentro do cômputo da produção do artista para esta obra e que bem pode constituir uma linha definida de actuação do seu trabalho, entre outras. Em 1994, a peça Mil contos dentro de um cofre era literalmente constituída por um cofre de médias dimensões cuja informação do título criava uma expectativa frustrada pelo facto daquele se achar fechado. A estratégia do readymade de que aparentemente o artista faz uso é deslocada de modo a reinterpretar o procedimento dadaísta à luz de um contexto económico-cultural diferente.
Se a deslocação dadaísta de um objecto do seu uso quotidiano para um espaço de exposição - lugar de arte - operava uma indiferenciação relativa às propriedades intrínsecas do objecto artístico relativamente ao não-artístico, para valorizar a lógica operativa inerente ao acto nominalista, é também um facto e hoje podemos interpretá-lo como tal, que o lugar do objecto artístico, objecto raro - valor de troca e sumptuário por excelência - se via subvertido pelo valor de uso transportado pelos objectos quotidianos. É desenvolvendo este ponto de vista, de forma notavelmente sintética, que Mil contos dentro de um cofre complexifica o problema. A questão aqui já não é a da dicotomia arte/não-arte ou de um assalto à instituição artística, mas uma crítica à noção de valor num contexto histórico-económico em que o objecto se transmuta em signo. Assim o cofre com dinheiro implica um valor comercial enquanto produto puramente funcional, mas enquanto obra de arte de Miguel Palma implica o mesmo ou outro valor?