Novas aquisições e doações (2000-2001)
Pedro Lapa
O conjunto de obras que agora se apresenta corresponde a cerca de dois anos e rneio, de aquisições e doações. O seu enfoque dirigiu-se ao período em que a colecção do Museu Nacional de Arte Contemporânea apresentava as maiores e mais gravosas lacunas que lhe suspenderam a propriedade do nome. Desde as aquisições de obras de Almada Negreiros, Fernando Lanhas, Marcelino Vespeira, Júlio Pomar ou Joaquim Rodrigo, a par das doações de obras do escultor JorgeVieira, do pintor Manuel Filipe, das fotografias de Fernando Lemos pela A.T.Kearney, do amplo núcleo surrealista pelo Doutor João Rendeiro e pelo Professor José-Augusto França e de pinturas de Joaquim Rodrigo por D.Maria Henriqueta Rodrigo, entre outras, que foi dado início a um processo de requalificação de uma colecção por todos reconhecida como incongruente e lacunar. As décadas de 1940 e 1950 puderam assim encontrar uma representação consistente na colecção do museu. De facto, urgia dar continuidade cronológica a este processo e é a isso que esta exposição responde.
A diversidade que a arte portuguesa conheceu na segunda metade do século XX e de que a década de 1960 se tornou significativa ruptura, implica um horizonte mais vasto de movimentos, atitudes e artistas e, consequentemente, uma dificuldade acrescida no que respeita aos montantes necessários para se proceder a aquisições relevantes para um museu. Por outro lado, a salutar concorrência de um mercado institucional e privado tornou premente a actuação por parte do único museu nacional de arte contemporânea que o Estado português tutela de forma a efectivar uma política patrimonial para a contemporaneidade, situação que a não se verificar acabaria por prolongar os graves problemas que afectaram directa ou indirectamente a arte portuguesa do século passado. Este mesmo museu viu-se envolvido, por diversas vezes no curso da sua existência, em situações comprometedoras das responsabilidades que lhe foram cometidas na sua fundação em 1911. Assim, já em 1925 José Pacheko e ogrupo da Contemporânea exigiam a criação de um verdadeiro Museu deArte Moderna, temporariamente sediado na Brasileira do Chiado dadas as Precárias possibilidades do conservadorismo da época e o alheamento deste museu dirigido por Columbano Bordalo Pinheiro. Em 1960 a nomeação de Eduardo Malta provocou o repúdio generalizado da comunidade artística através de um extenso baixo-assinado de Almada a José Escada, publicado na imprensa.Foi assim com um escasso montante financeiro que a atenção destas aquisições se dirigiu para artistas como Lourdes Castro, René Bertholo, José Escada, Jorge Pinheiro, Pires Vieira, Alberto Carneiro ou Helena Almeida, que, entre outros, deram início a uma profunda alteração no panorama artístico, pondo-o em diálogo e participação com movimentos internacionais, numa sintonia que afastou o espectro do epigonismo em que muita produção anterior se viu enredada. Certamente existem ainda muitos artistas de igual relevância que não foram integrados neste núcleo e carecem de uma próxima oportunidade que terá forçosamente que ser para breve, sob pena desta colecção prolongar injustificáveis ausências. Outros, em mais escasso número, encontravam-se já representados com significativas obras na colecção e apenas aguardavam a constituição de núcleos próprios para saírem das reservas e poderem travar o produtivo diálogo que toda a obra suscita e que o discurso museográfico possibilita. Assim as prioridades para as futuras aquisições deverão centrar-se neste âmbito cronológico de forma a complementar tão exaustivamente quanto possível um período de extraordinária criatividade e ampla extensão. Importa ainda realçar que as aquisições deste núcleo só foram possíveis, em muitos casos, pela generosidade extrema dos preços, com que alguns artistas cederam os seus trabalhos para um museu nacional e em certos casos doando obras.
As doações têm sido a constante que impulsionou a requalificação dos núcleos mais contemporâneos da colecção. São por isso a prova mais gratificante de uma sintonia entre o trabalho desenvolvido pelo museu e o público ou a comunidade artística. Nesta exposição os primeiros núcleos que se reportam a trabalhos de uma geração anterior à mencionada e onde pontuam os nomes de Jorge Vieira, Fernando Lemos, Marcelino Vespeira e Joaquim Rodrigo, todos estes trabalhos foram objecto de doações. Vêm assim aprofundar os núcleos já existentes e dotá-los da natural complexidade que uma representação museográfica implica para que o museu seja também um verdadeiro banco de informação à disposição da comunidade e não apenas uma colecção de nomes.
Um terceiro núcleo de aquisições e doações, cronologicamente distinto dos anteriores, dirigiu-se à contemporaneidade. A sua concretização foi possível através da aprovação de uma candidatura a fundos do Programa Operacional de Cultura do IlI Quadro Comunitário de Apoio da Comunidade Europeia, que veio reforçar os resultados do trabalho expositivo, desenvolvido pelo museu, no seio da própria colecção. Na sequência das exposições realizadas no ciclo Interferências foi assim possível proceder à aquisição de trabalhos de um conjunto de artistas que protagonizou parte significativa da produção da década passada e que afirma um presente para a arte portuguesa de modo internacionalmente reconhecido.
João Penalva, João Tabarra, Miguel Palma, Ângela Ferreira, Alexandre Estrela e João Onofre estão agora representados com trabalhos de curriculum significativo, quase sempre internacional, e que permitem iniciar uma configuração das práticas artísticas actuais.Este núcleo de obras contou ainda com várias doações como complemento das aquisições. Por outro lado, desde a reinauguração do museu, em 1994, que a par de um ciclo de exposições dedicado à criação contemporânea, muitas das obras apresentadas foram sendo adquiridas ou generosamente doadas, o que constitui um conjunto complementar do que agora se apresenta.Também aqui as lacunas existem e este conjunto está ainda incompleto, mas o presente é sempre um domínio volúvel em constituição e a melhor forma de o expandir é acompanhá-lo atentamente.
A apresentação conjunta destes núcleos não constitui um pretenso ponto de vista específico sobre um período da história de arte portuguesa, pois que para tal exercício muitos outros trabalhos faltariam.Não só estes núcleos estão mais ou menos incompletos, como a década de 1980 não está sequer representada. Trata-se aqui, sobretudo,de apresentar um balanço sobre o trabalho de reorganização e desenvolvimento da colecção de um museu nacional.