Na sua participação na Bienal de São Paulo de 2006, Dominique Gonzalez-Foerster partiu da obra de Oscar Niemeyer, para questionar a relação entre o espaço expositivo e o contexto urbano, através de uma intervenção que reproduz e multiplica as colunas existentes, reconfigurando a leitura do ritmo e da proporção da arquitectura moderna.
A Marquise do Parque Ibirapuera, uma enorme pala de betão desenhada por Niemeyer, em 1954, torna-se, assim, tema e cenário deste filme, em que a artista revela o seu interesse pelo “moderno tropical” e desenvolve alguns temas recorrentes no seu percurso criativo, como as ideias de abrigo, recreio ou espaço potencial.
O relato intimista da vivência infantil do lugar, povoado pelos seus habituais utilizadores e, simultaneamente, pelas colunas introduzidas pela artista, serve de fio condutor para uma reflexão sobre o papel do observador na resignificação dos espaços e sobre a ambiguidade entre realidade e ficção, percepção e memória. Uma ambiguidade que decorre da própria natureza desta construção, que pode ser entendida como entidade autónoma ou parte de um edifício, como exterior ou interior, como zona de estada ou simples passagem, como espaço polivalente ou proposta retórica sem uma função específica…
À ambiguidade do espaço, associa-se ainda a indeterminação do tempo em que decorre a acção e a sua posterior narrativa e, acima de tudo, a subjectividade no narrador que surge, aqui, como possibilidade de convergência entre a dimensão humana e o espírito do lugar, num encontro que liberta momentaneamente a arquitectura da sua intrínseca imobilidade. Aparentemente tudo se movimenta sob a grande marquise. Tudo, excepto a própria construção. “Eppur si muove!”.
Helena Barranha