Sem o loop, não haveria nem o cinema nem a videoarte. A sua lógica cíclica e de repetição, entrou para a História ao originalmente fazer da inércia movimento, e atravessando os últimos dois séculos nas mais diversas formas de expressão. Dos dispositivos ópticos do pré-cinema (Phenakistoscope, Zootrope, Kinetoscope) à obra de Duchamp, ou da Pop Art a nomes que vão de Dan Graham e Martin Arnold a Harun Farocki, o loop demonstra uma invejável vitalidade enquanto elemento audiovisual essencial – e ainda em reinvenção.
Nesta edição inaugural do LOOPS.LISBOA, recebemos mais de uma centena de obras, representando uma riquíssima diversidade visual, concetual, performativa, narrativa e cinemática. E não sem dificuldade, foram escolhidos os três finalistas entre inúmeras e excelentes propostas:
O Retrato, de Ulisses de João Cristóvão Leitão
Travel Shot, de Francisca Manuel e Elizabete Francisca
Cascade, de João Pedro Fonseca
Exemplos contemporâneos e representativos da revisão permanente que caracteriza esta unidade essencial da linguagem da imagem.
Apresentados no contexto do Festival Temps D’Images 2015, em mais uma
parceria com o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado.
Alisson Avila e Irit Batsry
O Retrato de Ulisses - João Cristóvão Leitão
"O Retrato de Ulisses" é uma vertiginosa viagem pelo tempo e pela literatura. Uma viagem onde Ulisses se encontra enclausurado pelo mecanismo que é o loop, o qual opera a nível narrativo, a nível espaciotemporal (dada a utilização de um único plano-sequência) e a nível visual (mediante a reutilização constante do mesmo material imagético).
No fundo, "O Retrato de Ulisses" não é mais do que um questionamento sobre a identidade humana aquando do seu confronto com a possibilidade da circularidade do tempo e com as durações objectiva e subjectiva deste. Ulisses é Ulisses. No entanto, tal não significa que também não seja Cervantes, Pierre Menard, Alexandre Magno, César, Homero, Tchekhov, Nietzsche, Borges e, indubitavelmente, eu próprio.
FICHA TÉCNICA
Realização, som, montagem, produção e voz-off: João Cristóvão Leitão
Textos (baseado em): Anton Chekhov, Friedrich Nietzsche e Jorge Luis Borges
Com: Duarte Amaral Soares
Assistência de realização: Marta Ribeiro
Assistência de produção: Joana Peralta
Pós-produção de imagem e assistência de montagem: Miguel Leitão
Captação e pós-produção de voz-off: Manuel Ramos
Tradução: Ana Pessanha.
Travel Shot - Francisca Manuel e Elizabete Francisca
Para além das imensas possibilidades de um espaço e daquilo que pode convocar ou sugerir, interessa-nos principalmente refletir sobre a potência da ação, a potência do agir, a potência do que uma matéria (ou alguém) pode convocar e criar. Isso parece-nos ser o motor para a criação de uma outra realidade que contrapõe um estado das coisas: aparentemente paralisado e amenizado, existindo sob a forma de sedativo para acalmar a alma, os ânimos gerais e o poder do imaginar.
Pensamos... isto pode funcionar como se um espaço originalmente estivesse num limbo, à espera de receber um sentido, um sentido que se aproxima, na própria ideia de criar estados de existência. Esse estar e ser só pode existir num fluxo contínuo de informações que nos atravessam e trespassam. Somos feitos de memórias, factos, desejos, impulsos e de tudo aquilo que ainda não sabemos. Esse estar vital só é possível se transportarmos em nós aquilo que já foi e aquilo que será, num aqui e agora amplamente poroso e disponível. Uma permeabilidade no manuseamento do sentido das coisas é uma forma de ver. O espaço expande-se, e quando o tempo é múltiplo tudo pode acontecer. Talvez a isso possamos chamar escolha, numa contradição que há-de sempre escapar:
(Katie Cruel, Karen Dalton)
FICHA TÉCNICA
Criação: Elizabete Francisca e Francisca Manuel
Realização, Imagem e Edição: Francisca Manuel
Interpretação: Elizabete Francisca
Pós-produção áudio: Paulo Machado
Produção: Elizabete Francisca e Francisca Manuel
Agradecimentos: Duarte Martins, Paula Pereira, Susana Batel
Cascade - João Pedro Fonseca
Esta obra não é apenas um loop mas uma peça que, através da repetição, entrega-se a uma forma de mudança. A memória da repetição estando ligada à iteração de uma ação num curto espaço de tempo é aqui contrariada pois a peça vive num longo questionamento temporal. Desta forma tende a não se mecanizar sob o exercício da repetição, e o espectador ao confrontar os loops deparar-se-á com certos detalhes de que não se tinha apercebido anteriormente. É do bloco de pedra que nasce o ideal físico da perfeição onde o processo de remoção dá lugar à forma e com ele vem o reflexo do nosso imaginário, um espelho idealista da nossa carne. A criação e a sua ausência vivem sob a forma de poeira, que une este paralelismo antagónico, o elemento basilar para o decorrer da ação onde os corpos nascem e se compõem através dela. A impenetrabilidade dos corpos leva-os ao anulamento mútuo mas mantendo sempre a sua presença anímica, mesmo não vendo a sua verdadeira forma corpórea sabemos que está lá, pois, ao que antes fora apenas um bloco, ao longo da peça, atribuímos um rosto e uma identidade. E no espaço, o espectador, é apenas o testemunho de um fenómeno.
FICHA TÉCNICA
Realização: João Pedro FonsecaMulher performer: Inês Apolinário
Homem performer: Fábio Faustino
Assistente: Maurício Santos