Desde as primeiras obras no início do anos 1970, uma grande parte do trabalho de Gary Hill consistia em performances onde o artista actuava directamente ou através de gravações filmicas, misturando voz, palavras, sons diversos emitidos por ele ou vindo de objectos e aparelhos, realizando assim até hoje menos uma obra de video art – embora fazendo parte historicamente dessa área – que uma obra de sound poetry ou mesmo de body poetry, já que inúmeras vezes o corpo do artista está envolvido nas peças como matéria e material.
Em Wall Piece, o corpo do próprio Gary Hill, deitando-se contra um muro ao mesmo tempo que pronuncia cada vez algumas palavras que acabam por formar um texto completo, é simultaneamente matéria e material sonoro, visual, mas também forma invisível, escondida no escuro, para aparecer repentinamente num relâmpago luminoso. Não se sabe se é o corpo que produz as imagens que surgem, ou a voz que provoca a luz, ou o som do corpo contra a parede que faz nascer todo este ambiente. Percebe-se que existe uma ligação evidente entre verbal, vocal, visual e corporal, mas entendemos ao fim dum tempo que esses elementos desfocam, separam-se, para se recompor e novamente se desligarem. A performance não está só na instalação que estamos a experimentar, ou nas acções filmadas, está também na nossa percepção que tenta reunir o que ficou ligeiramente desunido e reatar o fio de palavras soltas. Como certas outras obras de Gary Hill, Wall Piece é uma peça que trata de percepção dissociativa, e da maneira como temos que associar o diverso da linguagem, da imagem e do corpo para que haja percepção.
Jacinto Lageira