João Vasco Paiva: Translucent Debris I, 2013
João Vasco Paiva: Translucent Debris I, 2013

Atrium

entrada: Condições Gerais

Echoes on the wall

João Vasco Paiva: Cargo

2016-01-16
2016-02-21
Curadoria: Adelaide Ginga

O projeto ECHOES consiste num ciclo de exposições individuais que reúne jovens artistas de origem portuguesa, a trabalhar e residir fora do seu país de origem. Artistas que apresentam, na sua maioria, um currículo construído com exposições realizadas no estrangeiro, onde têm ganho crescente reconhecimento, mas com pouco ou nenhum eco em Portugal. Ainda que a maioria destes criadores procure divulgar o seu trabalho no país natal, com a realização pontual de mostras, são de um modo geral pouco conhecidos e acabam por estabelecer maior contacto com importantes centros artísticos internacionais.

Durante cerca de um ano, o MNAC irá realizar um ciclo de mostras individuais na parede de fundo do atrium do Museu. É neste espaço de acolhimento que os visitantes são interpelados por trabalhos recentes ou inéditos de nomes da diáspora cultural portuguesa, que espelham as novas linguagens de criação artística contemporânea. O convite foi lançado a artistas lusófonos estabelecidos em países com comunidades portuguesas relevantes ou em crescente afirmação, nos cinco principais continentes de destino migratório. Valorizou-se uma visão plural com perspetivas culturais diversas e experiências artísticas distintas.

Sendo a arte uma área privilegiada para a abordagem de questões políticas, económicas, sociais, etc., estes “Ecos” propõem também a reflexão sobre questões pertinentes da atualidade: o reativar do impulso à emigração, as miscigenações sociais e respetivas hibridizações culturais, os diferentes modelos e parâmetros de integração e cidadania, a dicotomia no que toca à identidade e o surgimento de novas geografias emocionais. Esta iniciativa visa estabelecer a ponte entre as novas gerações de criadores portugueses que estão fora do contexto nacional e o MNAC como espaço de excelência no contacto com a arte contemporânea portuguesa e local de acesso à novidade que estimula novos olhares sobre o real.


de 16/01/2015 a 21/02/2015

João Vasco Paiva: Cargo


De um modo geral, as cidades são territórios de retórica, lugares com memória que produzem um discurso identitário. A propensão para o desenvolvimento leva ao aumento populacional e à respectiva evolução dos meios de comunicação e de fluxo de pessoas, caminho que, no entendimento antropológico de Marc Augé, conduz à sobremodernidade, a qual, por sua vez, ‘é produtora de não-lugares’.

Assim, “um espaço que não pode definir-se nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico, definirá um não-lugar”[i]. Trata-se de espaços públicos, de passagem, em que a ocupação efémera é vivida individualmente num registo transitório e de alheamento ‘silencioso’ face ao colectivo. É um facto que, nas grandes metrópoles contemporâneas, estes ‘não-lugares’ tendem a proliferar.

Hong Kong é uma metrópole de identidade complexa, densa e híbrida, em que se misturam valores ocidentais e orientais, num modelo singular, mutante e único na China. Este foi o destino de João Vasco Paiva, em 2006, para um projeto temporário de investigação artística. No entanto, acabou por se transformar no seu lugar de residência, já vai para uma década.

Na observação de João Vasco Paiva: “Há uma falta de espaço privado em Hong Kong e a vida das pessoas é, na sua maioria, nas ruas.”[ii] Os ‘não-lugares’ como estações ferroviárias, estações fluviais e aeroportos “estacionamentos, e as costas de arranha-céus, são um dado adquirido por moradores locais, mas têm capturado a atenção do artista"[iii], que assume “um interesse em desconstruir ambientes urbanos complexos para criar um conjunto de códigos identificáveis”[iv].

A economia capitalista de Hong Kong, que se distingue como uma das mais liberais do mundo, torna esta cidade num importante centro financeiro, palco de excelência do comércio mundial e lugar de constantes partidas e chegadas.

É com base nos conceitos, mas também em materiais, sinais e símbolos, associados a esses ‘ambientes urbanos complexos’, que João Vasco Paiva tem desenvolvido um processo de análise, identificação e desconstrução da semântica existente, que se revela catalisador de um novo olhar estético e motor de produção artística.

O projecto elaborado por João Vasco Paiva para a última exposição individual do ciclo Echoes on the Wall parte do conceito de viagem, de transporte, dos momentos intersticiais  entre as partidas e as chegadas, em articulação com diversos materiais urbanos, como plexiglass, poliestero/esferovite, papel químico e gesso dental. Objectos bidimensionais e tridimensionais, construídos por João Vasco Paiva nos materiais indicados, são colocados numa situação pouco usual a peças que se destinam a um projecto artístico: depois de precariamente embalados (alguns dos quais envolvidos em papel químico) os objectos seguem como bagagem fora de formato, de Hong Kong para Lisboa, com escala no aeroporto do Dubai, deixados ao acaso, à sua sorte, numa jornada invisível, longe de qualquer protecção ou controlo.

O conceito central do projeto consiste em criptografar a viagem no corpo dos próprios objetos. Os danos, as pancadas, que irão inevitavelmente ocorrer ‘em trânsito’ pelos ‘não-lugares’, ficarão marcadas/registadas nos objectos, conferindo-lhes uma nova identidade. Como dizia Gilles Deleuze, “Nunca é o início ou o fim que são interessantes. O que é interessante é o meio”.[v]

Ao serem colocados na parede da entrada do MNAC, estes objectos ganham um novo estatuto e uma inter-relação que desperta o processo de descodificação do seu histórico, de descoberta de significados. É então possível ultrapassar o lugar-comum do estado denotativo para alcançar a singularidade da representação conotativa. Isto é, os objectos libertam-se da linguagem objectiva do seu estado inicial, presa ao sentido literal da realidade concreta, para alcançar uma dimensão subjectiva e abstracta, de carga emocional que evoca diversas ideias associadas. Ao alterar a relação entre os significantes e o que eles representam, o artista gera uma nova semântica.

 



[i] Marc Augé, “Não-Lugares. Introdução a uma antropologia da sobremodernidade”, Graus Editora, Lisboa, 2005, p.67.

[ii] Li, Zoe (2013-05-21). "INTERVIEW: João Vasco Paiva Frames Hong Kong's Non-Places". Blouin Art Info. Retrieved 2014-12-15.

[iii] Idem.

[iv] "  João Vasco Paiva Biography on Edouard Malingue Gallery Website". Edouard Malinguie Gallery Website. 2014-12-15

[v] Gilles Deleuze, ‎Claire Parnet , Dialogues, Columbia University Press, New York, 2007, p. 39.



Atividades

    2016-01-15 19h00
    Inauguração da exposição de João Vasco Paiva "Cargo"
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