O projeto ECHOES consiste num ciclo de exposições individuais que reúne jovens artistas de origem portuguesa, a trabalhar e residir fora do seu país de origem. Artistas que apresentam, na sua maioria, um currículo construído com exposições realizadas no estrangeiro, onde têm ganho crescente reconhecimento, mas com pouco ou nenhum eco em Portugal. Ainda que a maioria destes criadores procure divulgar o seu trabalho no país natal, com a realização pontual de mostras, são de um modo geral pouco conhecidos e acabam por estabelecer maior contacto com importantes centros artísticos internacionais.
Durante cerca de um ano, o MNAC irá realizar um ciclo de mostras individuais na parede de fundo do atrium do Museu. É neste espaço de acolhimento que os visitantes são interpelados por trabalhos recentes ou inéditos de nomes da diáspora cultural portuguesa, que espelham as novas linguagens de criação artística contemporânea. O convite foi lançado a artistas lusófonos estabelecidos em países com comunidades portuguesas relevantes ou em crescente afirmação, nos cinco principais continentes de destino migratório. Valorizou-se uma visão plural com perspetivas culturais diversas e experiências artísticas distintas.
Sendo a arte uma área privilegiada para a abordagem de questões políticas, económicas, sociais, etc., estes “Ecos” propõem também a reflexão sobre questões pertinentes da atualidade: o reativar do impulso à emigração, as miscigenações sociais e respetivas hibridizações culturais, os diferentes modelos e parâmetros de integração e cidadania, a dicotomia no que toca à identidade e o surgimento de novas geografias emocionais. Esta iniciativa visa estabelecer a ponte entre as novas gerações de criadores portugueses que estão fora do contexto nacional e o MNAC como espaço de excelência no contacto com a arte contemporânea portuguesa e local de acesso à novidade que estimula novos olhares sobre o real.
de 24/10 a 29/11/2015
Ana Cardoso: Progresso
No livro Painting Now, publicado neste ano de 2015 pela Thames & Hudson, Suzanne Hudson, afirma “A pintura é um meio em constante expansão e evolução. As mudanças radicais ocorridas desde a década de 1960 e 1970 - o período que assistiu à mudança da linguagem visual modernista para pós-modernista - levou à sua revitalização como uma prática, emprestando-lhe uma energia e uma diversidade que persistem até hoje”[i]. O olhar retrospetivo dos diversos momentos apocalípticos com que a pintura foi confrontada, as dificuldades históricas da sua sobrevivência face aos desafios de outros mediums que prenunciaram o seu possível esgotamento e decesso, remete-nos incontornavelmente para a ideia de Progresso! A pintura não morreu, apenas os pressupostos canónicos do que uma pintura foi ou poderia ser e qual é ou pode ser o papel do artista pereceram perante as transformações sofridas.
Desde 1839, por altura do nascimento do daguerreótipo, que o pintor francês Paul Delaroche terá proferido a lendária frase “A partir de hoje, a pintura morreu”, com base no seu conceito de pintura como mimetização do real. Nos anos de 1960, Ad Reinhardt alegou estar a criar as últimas pinturas que alguém poderia fazer. Por fim Arthur C. Danto decidiu declarar “A Morte da Arte”, mas aquele que parecia ser um golpe derradeiro a todos os níveis, não foi mais que um ponto de rutura para a (re)interpretação da arte, uma vez que a questão centrava-se na narrativa e na definitiva alteração do seu curso, face ao paradigma que Vasari ajudou a definir para a arte no período da Renascença. Abriu-se então um novo caminho. O Turner Prize, surgido em 1984 começou por distinguir pintores. Quase dois séculos depois de Delaroche, continuamos a assistir ao aparecimento internacional de inúmeros artistas que escolhem a pintura como seu meio preferencial de expressão artística.
Progresso traduz a ideia de “avanço”. Esse movimento para diante que pressupõe em termos filosóficos a evolução da marcha no sentido do desenvolvimento, de uma mudança evolutiva, teve forte expressão no século XX, em particular devido ao modernismo que o promoveu para se destacar do que considerava ultrapassado. Ainda que nos dias de hoje, o conceito de Progresso possa transportar um cunho passadista, na sua essência contém o paradigma do que está em aberto, do que abraça o advir.
Ana Cardoso, trabalha no provir da pintura não apenas como medium, como técnica, mas como post-medium. A Ação deixa de ser apenas a do momento de pintar para passar a explorar as partes que compõem a pintura, ou melhor o processo de considerar individualmente cada elemento, a técnica, o suporte e a matéria, como partes iguais do processo.
O trabalho apresentado no MNAC é composto por um painel de 8 partes que se integra na parede através de uma relação cromática e de elementos de desenho.
O painel é composto por 8 telas, 4 em formato de paralelogramo com tonalidades entre o salmão e o vermelho ferro e 4 em formato de losango de outra gama de cor, que varia entre um lilás acinzentado e um cinzento malaquita. A parede retangular que recebe o painel, ao ser pintada numa cor afim às utilizadas nos elementos do painel, passa também a ser parte integrante do próprio trabalho de pintura, funcionando como suporte base que incorpora os restantes elementos geométricos. Os losangos correspondem no seu tamanho a metade dos lados maiores do paralelogramo e são dispostos em alternância, criando um jogo de linhas diagonais, podendo o último elemento estar deslocado do seu conjunto. Há o objetivo de criar com essa sequência a ilusão de uma fita que mostra a frente e o verso, ao desdobrar-se na parede, ocupando-a de forma maioritária, porque como diz Ellsworth Kelly, “O negativo é tão importante como o positivo” (“The negative is just as importante as the positive”).
As telas trabalhadas de forma modular e autónoma, afirmam num primeiro momento a monocromia, o geometrismo, a abstração que caracterizam o trabalho desta artista. Está igualmente presente outra particularidade frequente nas obras de Ana Cardoso, o interromper a lógica estabelecida com um elemento que se desloca da sequência e se autonomiza, como que a preludiar um novo trabalho. Na verdade, são necessários múltiplos para formar uma imagem, mas cada tela é uma pintura independente, podendo ser reorganizadas e re-instaladas por forma a criar um novo conjunto, uma nova peça.
Em interligação dos diferentes elementos surge o desenho com ténues linhas que evocam redes, páginas digitais, etc., só quando nos aproximamos percebemos o subtil pormenor de uma narrativa.
Nas palavras de Ana Cardoso: “para mim cada pintura é um elemento de uma proposição infinita, tornando o processo da pintura contínuo”. Uma postura pluridisciplinar que torna mais amplo o campo da pintura e a sua relação com a história, cada nova proposta inscreve-se como um contributo intermédio por forma a “instigar o progresso”.Adelaide Ginga