Um vórtice, uma mesa e um manifesto atraem e fixam silhuetas, coisas e vestígios da “época da estranheza perante o mundo”, expressão de Odo Marquard que Solà-Morales cita em Territórios, e que Susana Gaudêncio recupera no título da sua exposição.
Um vórtice, uma mesa e um manifesto constituem o cenário a que Susana Gaudêncio reduz as salas de reuniões onde, por todo o mundo, se definem as estratégias da sua totalitária uniformização, i.e., do seu inevitável esquecimento. Nesse cenário, a janela, por onde o tempo passa sobre a credível estabilidade da paisagem de que o acidente do lugar constitui o referente, é substituída por um ecrã onde numa animação em loop, todos os lugares se escoam na configuração das silhuetas das coisas que os habitam, atraídas por um vórtice que as faz desaparecer na cegueira do seu movimento de rotação. Em frente do ecrã (de frente para o mundo) uma mesa, idêntica às que nessas salas recebem os negociadores, tem o tampo coberto por uma chapa metálica polida onde são visíveis os vestígios inscritos de aleatórios registos de uma reunião que nunca aconteceu. Do outro lado da mesa, em frente do mundo, um manifesto, sem tempo, sem lugar e sem verbos, materializado na impressão (prova) à escala real do tampo da mesa, substitui, por sua vez, a imagem da paisagem que nas mesmas salas é sempre idêntica e à qual não corresponde nenhum lugar porque ela apenas foi pensada na abstração do conceito.
Maria João Gamito
Maio 2012