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Long distance Relationships

{German Diaries}, 2012

Noé Sendas

2012-02-29
2012-04-01

A 28 de Setembro de 1936, Sammuel Beckett (1906-1989) parte de Dublin para uma viagem de seis meses pela Alemanha. Num momento de crise existencial e criativa, a viagem assume a condição ambígua de “moving pause”, uma pausa em trânsito, movente e inspiradora, através de um percurso pelo centro de uma Europa também em crise, entre duas guerras mundiais. Nos diários que manteve durante toda a viagem, Beckett regista o quotidiano perturbador de um país sob a ameaça nazi, cruzando as suas reflexões sobre a cultura alemã com descrições de centenas de obras de arte que viu em galerias e museus. Encontrados pouco tempo depois da sua morte, os seis diários alemães permanecem, ainda hoje, como documentos inéditos, nos arquivos da Universidade de Reading.

O sentido privado, íntimo, destes diários constitui precisamente o ponto de partida para o projecto de Noé Sendas. A sua viagem começa, assim, em Inglaterra, com a leitura dos manuscritos de Beckett que lhe fornecem as coordenadas para traçar um itinerário pela Alemanha contemporânea, em que as referências históricas, literárias e cinematográficas se associam a fragmentos - imagens, sons, objectos - que recolhe antes, durante e depois desse trajecto.

Na instalação Long Distance Relationships {German Diaries}, concebida especificamente para a Sala Polivalente do MNAC – Museu do Chiado, encontram-se algumas características fundamentais na obra de Noé Sendas: para além da leitura de Beckett, patente em muitos dos seus trabalhos, evidencia-se a presença de diversos meios de expressão (escultura, fotografia, vídeo), num sistema conceptual e espacial que sugere relações entre materiais de proveniências distintas. Mais do que relatar um percurso ou evocar memórias, Noé Sendas explora uma outra ideia de “pausa movente”, fixando o instante em que o tempo parece suspenso na subjectividade do viajante, entre a experiência real e o sonho ou a ficção da viagem, num silêncio que confronta o espectador com a estranheza da sua percepção e, simultaneamente, com a inquietação e o desconforto do próprio artista. Porque, afinal, essa inquietação é o ponto de partida para ambas, ou talvez todas, as viagens.

Helena Barranha