entrada: Condições Gerais

O Século XIX na Colecção do Museu Do Chiado - MNAC

2005-03-11
2005-05-22
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Núcleos

Anunciação e a herança do paisagismo holandês


Tomás da Anunciação foi de entre os pintores da escola romântica aquele que maior continuidade deu à tradição do paisagismo holandês do século XVII. Aquelas paisagens rurais, com os seus caminhos curvilíneos iluminados de forma dramática, por onde a circulação da faina agrícola pontua a tranquilidade de um quotidiano, impressionaram o gosto naturalista dos pintores de Barbizon, nos meados do século XIX. Em Portugal a geração romântica, tardia, assimilou este gosto e curiosamente o seu desenvolvimento acabou por revelar uma sensibilidade pré-naturalista no tratamento da paisagem, dos animais e por vezes da própria luz. Pedro Lapa

A Pintura de costumes


A visão distanciada e imaginária da vida do povo rural constituiu desde o século XVIII motivo de fabulação para os pintores. Com o final do romantismo uma empatia com as condições sociais daquele torna-se recorrente nos romances de Charles Dickens ou de Victor Hugo. No entanto em Portugal só alguns aspectos desta ordem de preocupações passarão nas páginas de Almeida Garrett. A pintura de costumes portuguesa seguirá, de resto, o apelo das Viagens na minha Terra e os artistas saem do atelier para observar o povo e os seus modos de sentir, como forma de apreensão de um espírito local genuíno e portador de uma identidade específica de uma nação. PL

Cinco artistas em Sintra


Esta obra garante o primeiro sucesso de carreira de Cristino e define as linhas de orientação da nova geração romântica. Pintura recolhida "do natural", embora cenográfica pela estrutura de composição e as poses das figuras, articula com a pintura de paisagem, na romântica Sintra, a pintura de costumes e o retrato, como manifesto colectivo do grupo dos cinco artistas (Tomás da Anunciação, Francisco Metrass, Vítor Bastos, João Cristino da Silva e José Rodrigues). A atenção dada ao pormenor narrativo de encontro com os saloios da região, a captação de pequenos gestos indicativos das suas convicções artísticas e dos seus perfis psicológicos contraria, tanto formalmente quanto cromaticamente, o tratamento da paisagem, entendida na sua plenitude, e que se estende ao emblemático e romântico Palácio da Pena, envolto em brumas. Maria de Aires Silveira

PAIsagem romântica


A paisagem romântica é expressão do sentimento ou de um estado de espírito melancólico que encontra nas tragédias naturais, nos acidentes geográficos, e especialmente nas variações luminosas do dia, preferencialmente nos poentes, a manifestação de um "sentir" romântico. Apesar de um tratamento posterior em atelier, a descoberta e captação "do natural" e da luz local antecipam e condicionam propostas naturalistas, num desfasamento congénito com a pintura europeia. A paisagem assume-se na sua plenitude dramática e sentimental, embora pontuada por pequenas figuras, que evitam uma narratividade populista, mas asseguram o impacto de escala de uma ravina, de mares encrespados, ou de um fatídico naufrágio, tanto quanto a cor e os efeitos de luz no céu, no mar, nos rochedos imprimem. As imagens são reais e os momentos escolhidos, à excepção de Só Deus! de Francisco Metrass, em drama especialmente criado para uma situação sentimental forçadamente romântica. MAS

O DEsterrado


A intensidade desta escultura expressa-se pelo contraste entre o dinamismo contido da figura e o olhar fito no chão que presentifica uma interioridade onde ecoa um tempo outro. Por isso O Desterrado torna-se a consciência dolorosa da nostalgia de um tempo impresentificável. As mãos entrelaçadas, o pé apoiado contra a perna ou os lábios contraídos são outros tantos sinais de inquietude dessa consciência ferida a que faz alusão. No sentido em que o inapreensível de um tempo ausente é o que está para lá do visível, esta peça instaura uma ruptura na adequação entre o ideal e a forma, própria de uma estética fundada no Belo como categoria súmula, e inaugura a pré-modernidade das artes plásticas em Portugal. PL

Retrato romântico


Imagem de afirmação individualista, o retrato reflecte a ligação entre o liberalismo e o romantismo. Os percursos vivenciais e políticos tendencialmente humanitários, o subjectivismo, alguma racionalidade e um desejo de confirmação do estatuto individual emergem da expressividade das figuras, e do emblemático retrato romântico de aparato de uma burguesia afirmada em elegância aristocrática na Lisboa do fontismo. Em contraste, uma discreta preocupação pelo conhecimento individual integra-se numa rara cadeia de auto-representação dos pintores portugueses, tanto quanto se destaca uma expressividade melancólica nos rostos. MAS

Um realismo burguês


Pequenas paisagens, ao gosto burguês, traduzem, em Alfredo Keil, uma simplicidade rural espontânea e nostálgica e articulam-se com um interior de luxo de uma pequena burguesia, em pormenorizada documentação da sua vida quotidiana, linha também seguida pelo retratista Ferreira Chaves. Um realismo incerto, vazio de crítica, conhece, em Alfredo de Andrade, um novo entendimento da cor, da luz e de atmosferas, e aproxima-o de uma actualização naturalista, em experiências isoladas e ausentes. Lupi assumiu a dupla função de traduzir o desejo de visibilidade e ostentação destas burguesias "recém-chegadas" e de funcionar como elemento de transição entre a geração romântica e a naturalista. O retrato era a via da representação do triunfo burguês e impulsionava uma renovação nas formas de dominação, assente no poder da imagem, realçando e confundindo as contraditórias noções de realismo. MAS

Imagens da História


Num contexto histórico e político de profundas alterações vivido pelos países europeus, de que a maior é o advento da própria modernidade, o imaginário português continuou a sonhar com um passado povoado por míticas figuras de um império que se esvaziava de sentidos para este outro mundo. A pintura de história circunscreveu-se à ilustração de narrativas nostálgicas que se aproximaram de uma evocação anedótica da própria história. Camões pintado por Metrass é um declarado exemplo da visão do génio romântico circunscrita a uma representação destinada ao imaginário burguês. No caso de D. Sebastião de Simões de Almeida, desde a escala da escultura ao minucioso trabalho do mármore, em estilo trovador, muito em voga no final do romantismo alemão, é o mesmo ideal burguês e acrítico que representa como um pequeno elfo o rei de uma tragédia nacional. As imagens da História são assim para a burguesia do fontismo afectadas por uma mesma redução, seja do autor da epopeia, seja do seu destinatário patético, à condição de significantes de um passado recriado como lenda para preencher um défice de motivação para a modernidade, sempre adiada. PL

No limiar da vida moderna


Muito diferente, mesmo oposto, ao ruralismo idílico era o mundo que outros artistas mostravam, optando pelo retrato individual e, pontualmente, de grupo, para produzir outros valores sociais. Para além de retratos de personagens relacionados com os artistas, pertencentes a uma burguesia urbana, os retratados eram os protagonistas ou futuros protagonistas das elites da vida cultural portuguesa. António Ramalho, mais preocupado com questões descritivas, deteve-se nas modas e símbolos característicos de um modo de vida de uma classe. Columbano, propositadamente exterior ao seu tempo estético, converteu o retrato numa profunda reflexão sobre a crise dessa mesma sociedade. Entre a memória da pintura espanhola e holandesa do século XVII e alguma curiosidade pelas sínteses cromáticas de Manet, Columbano desenvolve a sua pintura neste instável equilíbrio, afinal também ela no limiar da modernidade. María Jesús Ávila

 A narrativa naturalista


Tal como Garrett apelara à descoberta do país, também Ramalho Ortigão, em 1872, insistia na falta de um pintor de costumes e interpretador da realidade humana, direccionando processos veristas de "penetração do real" para temáticas tradicionais, como a paisagem e o retrato. A deslocação da proposta de modernidade de Silva Porto para uma atraente casticidade ensolarada, através da captação da cena de género, recebe elogios de uma crítica limitada aos aspectos descritivos das pinturas. Este sucesso público, determinante para a afirmação de um gosto, apresentado em inúmeras situações forçadamente espontâneas e pitorescas, através de narrativas "veristas" sequenciais à temática de costumes da geração romântica, fundamenta o cenário de "odisseia rústica nacional" (Fialho de Almeida) destas imagens. Em situações próximas da queiroziana dicotomia cidade/ serras, com uma poderosa construção cromática e uma adequada legendagem, facilitam um diálogo com o espectador, através das suas pormenorizadas figuras rurais. Entendidas como caracteristicamente portuguesas, as figuras, raramente citadinas ou burguesas, ilustram cenas que se irão ajustar a uma política ideológico-nacionalista, sobretudo a partir das décadas de 1930-40, conveniente à materialização da ideia de simplicidade perpétua do camponês. MAS

 O Grupo do Leão


O único retrato da geração naturalista de Lisboa, dos participantes nas exposições do Grupo do Leão e convivas da cervejaria que lhes deu nome, pintou-o Columbano. Com este quadro conclui-se uma fase da obra de Columbano, e relativamente a ela tudo se inverte. O fundo é claro e neutro, espaço propício à inscrição das figuras que se tornam silhuetas. Os valores de claro-escuro são idênticos em toda a tela e a paleta quase recusa a cor remetendo-se para uma economia tonal monócroma. A individuação das figuras é certamente proveniente de poses singulares em atelier transportadas e integradas para o conjunto, por vezes com certo esforço, aspecto que confere à obra alguma estranheza. Tal situação revela um intencional cuidado em perseverar a identidade de cada elemento não o subsumindo no todo. As figuras distribuem-se numa extensa faixa horizontal e estão emolduradas por colunas e um parapeito que preservam a ideia de espaço cénico para os construtores da nova pintura portuguesa. PL

 A descoberta da luz natural


Silva Porto e Marques de Oliveira trouxeram, no regresso dos seus respectivos pensionatos em Paris, as práticas ar-livristas que admiraram e compartilharam com os pintores da Escola de Barbizon. Experimentou-se um momento de renovação com a introdução de investigações em torno das possibilidades da luz natural, actualizando o entendimento da natureza e da sua abordagem pictórica, baseada num novo entendimento da cor, na mobilidade lumínica e na libertação do referente, que não supunham mais do que o abandono das categorias tradicionais que tinham dominado a pintura. A captação do espontâneo e do instante chegou, por vezes, a registar os sinais de efemeridade e contínua transformação da paisagem. E existiu alguém que, como Pousão, pôde conferir um sentido estrutural às manchas cromáticas que apontam já para questões construtivas mais modernas e libertas de qualquer relação com o ruralismo como imagem mítica nacional. MJA

 Alegorias para um fim de século português


No clima decadentista de finais de século XIX, o Retrato de Antero de Quental , obra-prima de Columbano, surge como o retrato do fracasso de toda uma geração, a Geração de 70. O torturado rosto que emerge entre as sombras de um corpo que se desmaterializa é imagem da perda de entusiasmo de toda uma geração, da angústia que a desistência nela provocou, do adivinhar de um triste destino, uma vez que se abdicara do empenho modernizador, a que o país se resistiu. Findo o século, a civilização que esta Geração dos "Vencidos da Vida" desejara, o progresso técnico e cultural, mantiveram-se afastados de Portugal, e o s. XIX estendeu-se pelos primeiros anos do XX. Até Luciano Freyre na sua nostálgica alegoria da natureza mítica teve de procurar fora de Portugal, em Londres, o tortuoso e ameaçador cenário da paisagem industrial. Mesmo quando a modernidade plástica era pressentida e anunciada pela obra de António Carneiro e, pontualmente nalgumas obras de Aurélia de Sousa, com a mesma força era negada e novamente remetida para um universo saudosista. MJA

 Actividades

Visitas guiadas [Marcação prévia, acesso gratuito]
Pedro Lapa. 29 Março. Terça-feira. 18.30 h
María Jesús Ávila. 20 Abril. Quarta-feira. 13.00 h
Maria de Aires Silveira. 3 Maio. Terça-feira. 18.30 h