Esta tela foi enviada para Portugal durante a frequência do 2º ano de pensionato em Paris e destinava-se a integrar um conjunto decorativo nunca efectuado. A temática e a observação do traje referem, possivelmente, algumas representações do pintor de História, seu mestre e amigo, Fernand Cormon (Cain; Retour d’une chasse à l’ours, à l’ âge de pierre), mas a composição introduz valores de uma estética pós-impressionista de envolvência simbolista. Embora a plasticidade corpórea denote uma tendência naturalista, a sua postura aponta um ‘objecto’ ausente, denunciado na atitude concentrada da personagem. O olhar fita o transcendente, aproximando-se de um ideário simbólico-espiritualista inspirado nos Nabis  num intimismo e contenção expressiva. A sinuosidade da figura acentua-se na iluminação do tronco por uma luz difusa, enquanto a cabeça e pernas permanecem na sombra. O fundo, tratado em pequenas pinceladas verdes, laranjas e violetas revela um conhecimento e estudo das práticas pós-impressionistas, num divisionismo da luz em ‘impressões’ sensoriais. Trata-se de uma ordenação orgânica da cor que desmembra uma envolvência e contrasta com a pincelada lisa utilizada na pele morena – é uma madrugada clara onde o sol desponta em explosões de amarelos e laranjas. Uma cortina terrosa e acinzentada é o elemento mediador entre a cena e o espectador. Obra de início da sua carreira, O Caçador de Águias foi pretexto para a utilização de novas técnicas, reflexo da observação atenta do meio parisiense. A experiência oscila entre uma aprendizagem académica e vias pós-impressionistas ou simbolistas, revelando valores luminosos.

Maria Aires Silveira