O Prémio SONAE Media Art integra uma parceria duradoura entre a SONAE e o MNAC-Museu do Chiado fruto da partilha de valores, entre os quais a criatividade e a inovação têm um papel preponderante.
Nas duas últimas décadas assistimos, no panorama artístico global, a uma vertiginosa exploração de novos conceitos como a arte virtual, que expandiram os tradicionais suportes de vídeo, filme e som em articulação com emergentes tecnologias, levando à produção artística em computação gráfica, net-arte, animação digital, produção em 3D ou à interatividade, com propostas que pertenciam outrora ao território da ficção científica.
Conforme refere Oliver Grau, na sua obra Virtual Art- From Illusion to Immersion, assistimos a um expoente criativo que está em permanente mutação não só dos seus próprios conceitos mas também ao nível da receção e do impacto junto do espetador. Os processos artísticos encontram-se de novo numa fase de transição, englobando matérias que rompem com os neologismos entretanto já estabelecidos, e colocando grandes desafios não só aos teóricos e aos historiadores como às instituições e agentes culturais que têm de encontrar relações mais atuantes com um universo de virtualidades.
O Prémio SONAE Media Art vem justamente promover espaços de experimentação e incentivar o surgimento de novos conceitos na área da media arte, cuja versatilidade e qualidade têm vindo a ser consistentes com as principais linhas de atuação dos mais influentes centros de arte internacionais, distinguindo os artistas cujo trabalho incide sobre o multimédia como suporte e/ou tema, quer de uma forma exploratória e inovadora, quer sob um ponto de vista crítico e histórico, abrangendo as formas de criação contemporânea que vão desde a imagem ao som, incluindo a exploração do media vídeo, computação, som e mixed-media, em que outras formas de arte como a performance, a dança, o cinema, o teatro ou a literatura poderão ser incorporadas, afirmando-se como o mais importante prémio de arte no contexto nacional.
Os cinco artistas finalistas desta primeira edição do Prémio Sonae Media Art, foram selecionados entre mais de centena e meia de propostas, e apresentam neste conjunto de obras inéditas a diversidade e a complexidade de linguagens artísticas que o conceito de media art envolve.
Através destes cinco projetos assistimos a um questionamento dos limites percetivos da arte, colocando conceitos como a interatividade, o carater performativo e imersivo, em destaque na formulação do diálogo com o espetador. Estes projetos refletem também sobre os tradicionais limites da ciência e da arte, e dos papéis do artista e do espectador, diante de um novo mapa artístico em que a comunicação será também ela forjada numa crescente virtualidade.
IRRACIONAL MAN aborda os limites da cognição humana. Numa narrativa slapstick que apela à nostalgia sinestética, somos levados pela oscilação cromática que interpela os nossos hemisférios cerebrais, num desfasamento rítmico que quebra a linearidade da
perceção. Esta sensorialidade oceânica, testada pela voz de fundo que adereça o hiato
entre o corpo e a mente, provoca uma estranha atualização das nossas dúvidas que se
reflectem nos gestos maquinais do primata diante de nós. IRRACIONAL MAN aproxima- nos desse Uncanny Valley (vale misterioso), onde a nossa similitude com o autómato é
confrontada. Poderemos aceitar o mecanicismo da produção de emoções e sensibilidades estéticas?
SPINE POEM encadeia-nos com a agilidade gestual de um artesão culinário numa
viagem em close-up à feitura de uma receita improvável: espinha de peixe. A
desconstrução do animal é coreografada com a precisão minuciosa de um ritual enquanto uma tempestade nos invade lá fora. Nesta ficção cientifica, a sublimação de um elemento é proporcionada pela mecanização de gestos cirúrgicos, num apelo ao exponencial máximo da sofisticação humana. Acompanhando o estruturalismo sincopado da espinha, as sequências do filme são irrompidas por cortes ácidos de som.
MAGICIAN ́S END envolve a sala expositiva num tom radioativo apresentando o
desfecho inesperado que derrubou o grande mestre Houdini (1874-1926). O afamado
mágico que ficou conhecido para a posteridade pelas célebres fugas em situações de
grande perigo, bem como pelo combate aos fraudulentos do mundo do ilusionismo,
provou então ser um comum mortal, aquando um rival o golpeou desprevenido. Em
MAGICIAN ́S END somos assombrados pela trajectória fatal deste murro-kryptonite, que
em stop motion nos persegue ad aeternum, provando que afinal de contas todas as
ilusões caem por chão.
Musa paradisiaca – Eduardo Guerra (1986) e Miguel Ferrão (1986)
PARASOMNIA
Civilization as a whole is on the verge of “losing a basic human faculty: the power of bringing visions into focus with our eyes shut.”
Italo Calvino
“Sleep is the last unleveraged form of human activity and it is violently threatened by a world in which the divisions between night and day, between rest and work, are disappearing (…).”
Megan Heuer in Who sleeps?
Partindo de um ensaio inacabado de Acácio Nobre sobre o sono, a vigília e a ausência de sonhos (1890) e do estudo das descobertas dos neurofísicos Luigi Rolando (1773-1831) e Jean Pierre Flourens (1794-1867) sobre o sono dos pássaros, Parasomnia consiste numa instalação visual e sonora que pretende promover a “estimulação da produção de melatonina” e os “vapores de sonolência apropriados à indução de um sono regenerador propício à prática do sonho lúcido”.
Numa primeira antecâmera, cujo principal objetivo é construir uma respiração subtil através de um quadro múltiplo, cada visitante é convidado a aguardar. Um mural de pinturas desenrola-se num movimento impercetível ao olhar desatento, mas constante ao olhar perscrutador.
Numa segunda câmara, o visitante é convidado a render-se à gravidade e é-lhe proposta a inércia de uma sesta. Acompanhado de uma voz feminina que envelhece aos pés de uma cama digna de um sultão, o visitante, deitado, mantém-se no limiar de uma contradição performativa: se ficar acordado, perde a experiência que a instalação lhe propõe; se adormecer, perde a experiência que a instalação lhe apresenta.
Cada visitante decide quando deve abandonar os aposentos e, assim, provocar a «morte» da voz que lhe conta 1001 histórias.
Duração contínua: em loop.
Performance
No dia 19 de dezembro, o sábado com a noite mais longa do ano, celebrar-se-ão os 90 anos do ensaio inédito de Acácio Nobre que inspirou esta obra. Nessa noite, artistas, escritores, cientistas e investigadores convidados ocuparão esta instalação entre o pôr e o nascer do sol e invadirão o nosso sono com as suas vozes, ideias e gastronomias revelando como, quando e o que significa dormir numa sociedade que considera o sono uma doença evitável.
RESONO
Entre humanos, a reciprocidade de uma experiência interativa depende da ausência de um guião, de uma disponibilidade mútua para a construção de uma empatia que eleve um dado contacto, mesmo quando fortuito, à qualidade de momento singular. A relação que estabelecemos com as máquinas é, pelo contrário, uma relação entre senhores e escravos: esperamos que estejam sempre disponíveis para executar prontamente qualquer tarefa e só lhes dirigimos uma reação emotiva quando cometem um erro ou cessam a sua dócil colaboração. O mesmo acontece numa instalação interativa, onde a máquina tornada performer é obrigada a reagir a qualquer estímulo de forma diligente e submissa, para fruição exclusiva do seu transitório senhor. A pergunta impõe-se: poderá haver interação sem escolha?
Poderá ser construída verdadeira empatia entre seres que não são livres?
Resono é uma instalação interativa que parte do princípio de que o grau zero da autonomia é a capacidade para dizer: não! Consiste num ecossistema de quinze seres que aguardam, com diferentes equilíbrios entre ansiedade e curiosidade, a chegada de um visitante. É a este que caberá o primeiro passo na construção de uma interação, conquistada pela gentileza com que se aproxima dos seres e pelo afeto com que canta para um pequeno grupo deles. Aos poucos, e se for paciente, poderá começar a ouvir tímidas ressonâncias, que não são mais do que o modo como estes seres aprendem, pela imitação, a comunicar com o estímulo desconhecido. A partir deste ponto, a história de cada interação será única e dependerá do delicado entendimento entre os estados de alma de todos os intervenientes, sendo possível, em casos verdadeiramente excecionais, que todo o ecossistema se una para uma performance coletiva. Cada experiência bem sucedida viverá nos sonhos de cada um dos seres de resono e marcará o contínuo desenvolvimento da sua personalidade.
Se a reciprocidade for de facto condição para a empatia, o mesmo acontecerá com os visitantes.
Tatiana Macedo (1981)
1989
1989 é um trabalho inédito criado para o Prémio Sonae Media Art e apresenta-se sob a forma de uma instalação vídeo multicanal com som espacializado.
Partindo da minha relação com as imagens e sons captados ao longo dos últimos anos e que constituem o meu arquivo pessoal, bem como de situações semiencenadas filmadas recentemente para esta peça, penso o filme como forma de ensaio expandido, exigindo uma reconfiguração constante do real.
O filme é articulado a partir de uma "geopolítica do saber e do sentir", de forma a colocar em diálogo as questões da subjetividade perceptiva e da sua interação com as estruturas de poder da linguagem e do próprio pensamento.
Lara é intérprete de conferência há 10 anos. Nasceu em Moçambique, viveu até aos 5 anos na Rodésia e estudou até aos 17 anos na Suazilândia, numa escola conhecida pela sua luta antiapartheid. Filmo-a numa cabine de tradução, lendo o guião que construí. À medida que lê, apercebe-se que o pensamento latente nos textos traduz a sua experiência. A situação inverte-se, o pensamento fronteiriço e a tradução de fronteiras são a sua vida. Tudo é traduzido, até a tradutora. Valores Europeus e Ocidentais universalizantes, são questionados na tradução. “A Europa deve refletir o seu passado (pós)colonial e pós Guerra-Fria. A Ásia faz parte da Europa, e vice-versa.“
Tinha oito anos em 1989, quando presenciei, em direto na TV, a queda do muro de Berlim. “Desde os anos 80 que as imagens difundidas não servem apenas a representação de dado evento, mas são, elas mesmas, catalisadoras de ação”. Esta é uma ideia associada aos “eventos” que levaram à execução de Ceausescu na Roménia em 1989. Em Pequim, milhares de pessoas protestaram e foram mortas no mesmo ano.