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Meu Amigo

Obras e Documentos da Coleção Ernesto de Sousa (1921-1988)

2021-05-18
2021-09-26
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Núcleos expositivos

Meu Amigo

Este primeiro núcleo da exposição congrega uma possível síntese dos períodos artísticos e das correntes estéticas que foram determinantes ao longo da vida de Ernesto de Sousa.
A obra de Helena Almeida – Meu Amigo, que dá título a esta exposição, simboliza a partilha e companheirismo artístico que pontuou toda a sua vida.  
A sua atividade estética, histórica e crítica desenvolveu-se desde o neorrealismo às mais revolucionárias neo-vanguardas da década de 60 e 70, incluindo os alvores da pós-modernidade e os estudos de referência sobre a escultura popular. Sem esquecer a atualidade e a internacionalização de todo o seu percurso.
As ações e projetos de arte que concretizou foram marcadas sempre por múltiplas relações de cumplicidade criativa, bem manifestas na multiplicidade e representatividade das obras da sua coleção, aqui expostas.
Estes artistas e estas obras, constituem uma emotiva e estética ressonância do percurso ímpar de Ernesto de Sousa, e permitem-nos também um olhar retrospetivo sobre o panorama da arte portuguesa contemporânea e do seu contexto internacional. [E.T.]


“Dedico o texto o frio o sol aos meus velhos amigos e aos amigos-novos. Alguns velhos amigos são muito recentes. Amigos, temos opiniões diferentes e nada disso tem que ver com amizade. Quanto aos amigos-novos, eu só sei que sou contra a inquisição. Se se dizem amigos que o sejam, o amor, a amizade têm que se a-re-provar- na prática.”
Ernesto de Sousa. O seu a seu tempo – amigos e inimigos”. In Opção, nº 110, 1 de junho de 1978.



Anos 70 – Arte e Revolução

A Revolução de 25 de Abril de 1974 foi decisiva para a cisão com a estética oficial, que o regime ditatorial impusera durante 4 décadas.
Ernesto de Sousa esteve na vanguarda do exercício desta nova liberdade criativa, através da sua atividade artística, curatorial, crítica e pedagógica.
O seu contributo para o entendimento das novas linguagens artísticas que vieram introduzir uma rutura estética, também ela revolucionária, com o Modernismo recente, foi decisivo para o desenvolvimento da Contemporaneidade portuguesa.  
A sua atividade como crítico de arte e como curador foi fundamental para o entendimento e a divulgação nacional e internacional, de alguns dos mais relevantes artistas que se afirmaram neste período.
Poesia visual, mixed-media, happening, performance, objetualidade, instalações, são muitas as propostas que irão determinar outro rumo na arte portuguesa, acompanhando o contexto artístico internacional. [E.T.]


“A verdadeira vanguarda é uma descoberta original e necessária sobre o presente – mas essa descoberta assenta numa cultura e num entendimento do mundo que é necessário conhecer e estudar. Agora e aqui.”
Ernesto de Sousa, “Da Vanguarda como Necessidade,” In Vida Mundial, nº1834, 7 de novembro de 1974.



Neorrealismo – Uma Estética de Oposição  

O interesse e a ligação de Ernesto de Sousa ao movimento neorrealista português foi também um envolvimento político. A sua adesão, em 1946, ao Movimento de Unidade Democrática juvenil (MUDJuvenil) bem como a sua amizade com Júlio Pomar, Lima de Freitas ou Manuel Ribeiro de Pavia, serão determinantes para uma adesão estética e política ao movimento.
No pós-guerra, o movimento neorrealista ficaria associado às principais forças de oposição política ao regime do Estado Novo, e é neste ambiente que Ernesto de Sousa desenvolverá a sua atividade como crítico e historiador de arte, com realce para a sua participação na revista Seara Nova, tendo publicado dezenas de artigos e efetuado estudos sobre as obras dos principais artistas neorrealistas. Datam também, deste período, o início dos inovadores estudos relacionais sobre a escultura portuguesa erudita e popular, consagrando à sua documentação fotográfica e fílmica uma dimensão fenomenológica, mais tarde reunidos na publicação Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965).   
Em 1962, realiza o filme Dom Roberto (1962) com diálogos seus, a partir da novela de Leão Penedo, premiado em 1963 em Cannes, e que constitui um marco do novo cinema português. [E.T.]


“Nós admitimos que a obra de arte é o reflexo das lutas e necessidades dos homens, mas esquecemo-nos por vezes que, como obra de pensamento, ela intervém e modifica de certo modo, essas necessidades e lutas.” Ernesto de Sousa. “Três pintores do nosso tempo” In Mundo Literário, nº 12, 27 de julho de 1946.



Almada, um nome de guerra

Em 1969, Ernesto de Sousa inicia um conjunto de trabalhos em torno de um dos mais representativos artistas da vanguarda modernista portuguesa, Almada Negreiros (1893-1970), que resultariam no antifilme (segundo o próprio) Almada, um Nome de Guerra, e no projeto mixed media, Nós Não Estamos Algures, a partir do poema deste autor, A Invenção do Dia Claro, apresentado em 1969, no clube Primeiro Acto, em Algés. Com música de Jorge Peixinho e as participações de vários artistas, como Carlos Gentil-Homem, António Borga, Fernando Calhau, Peter Rubin, Marylin Reynolds, entre outros.
Neste período, estuda e inventaria a obra de Almada Negreiros, cuja influência seria determinante para a sua reflexão sobre a história e o futuro da arte, tendo desenvolvido então o seu trabalho a partir do conceito de “obra aberta” e “operador estético”.
Nele encontrou o interlocutor e o artista privilegiado para debater a modernidade estética em Portugal, cuja obra eclética e vanguardista se tornou nuclear na sua pesquisa e prática artísticas.
Destes estudos e da sua ação, resultaria o resgate, e a vinda para Portugal, dos painéis decorativos realizados por Almada Negreiros, para o hall do Cine Teatro San Carlos, em Madrid, que se julgavam perdidos. [E.T.]


“O Almada Negreiros era-me necessário, é-nos necessário. Não me preocupam muito as bandeiras da vanguarda e da modernidade, embora continue a pensar que só há uma saída, ser “absolutamente moderno”. Mas hoje e aqui, original e originariamente. E isto era Começar.”
Ernesto de Sousa. “Chegar depois de todos com Almada Negreiros”. In Colóquio – Revista de Artes e Letras, nº 60, outubro de 1970.



Fluxus – aproximar a arte e a vida

O movimento Fluxus e a sua estética e ética de experimentação neo-dadaísta congregava diversas linguagens artísticas desde as artes visuais à música e dança, em que todo o conceito elitista e contemplativo da obra de arte era questionado, pugnando por uma construção colaborativa do objeto artístico e por uma condição artística que devia fundir vida e arte.
A influência e importância deste movimento esteve subjacente a toda a sua atividade neste período, tendo estabelecido contactos com alguns dos seus principais protagonistas, como George Brecht, Ben Vautier, Emmett Williams, e amizade com Robert Filliou e Wolf Vostell. Foi um participante regular dos encontros artísticos realizados por Vostell no seu museu em Malpartida de Cáceres, como Voaex, 1976, ou SACOM, 1978-80, curador das representações portuguesas às SACOM, bem como o responsável por uma exposição retrospetiva de Vostell em Portugal, em 1979.

“Digamos desde já que Fluxus, (...) é um movimento bem preciso historicamente, e cujo sentido mais geral também não deixa lugar a dúvidas: aproximar a arte e a vida: a actividade estética e as outras acções conscientes ou inconscientes do homem. Esteticizar a vida corrente, e fazer com que as artes-da-acção (performing arts) estejam na base de todo o treino e aprendizagem.”
Ernesto de Sousa. “Fluxus”. In Opção, 16 de agosto 1978



Alternativa Zero, 1977

Já com um considerável percurso curatorial e crítico, e no período cultural efervescente do pós 25 de Abril, Ernesto de Sousa organiza um dos mais importantes eventos artísticos da década – A Alternativa Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea – que decorreu na então Galeria Nacional de Arte Moderna, em Belém.
Para além de uma exposição que reuniu alguns dos mais importantes artistas portugueses, foi projetado todo um vasto programa paralelo que incluiu música, teatro, happenings, tendo contado com a presença do The Living Theatre.
A sua visita à importante Documenta de Kassel 5, em 1972, e a cumplicidade de ideias que nela recolheu seriam determinantes para uma mediação entre o panorama internacional e a arte portuguesa.
A Alternativa Zero foi, sem dúvida, um ponto de viragem estético-político, entre a herança ditatorial e uma nova era democrática, e local de encontro das mais importantes correntes estéticas na neo-vanguarda portuguesa, que se vinham já desenhando desde a década de 60, ao mesmo tempo que consagrou uma nova geração de artistas. [E.T.]

“Alternativa Zero surge como resposta à necessidade profunda de acabar com aquele duplo isolamento (exilados no estrangeiro e exilados-no-seu-próprio-país), combatendo a fórmula salon (e as suas falsas aparências democráticas) por uma perspectiva crítica, eu uma responsabilidade totalmente assumida”
Ernesto de Sousa. Catálogo da exposição Alternativa Zero, Lisboa 1911.



Anos 80 e 90 – Ser Moderno em Portugal

Na década de 80, a atividade artística e curatorial de Ernesto de Sousa conhece uma maior internacionalização, ao mesmo tempo que continua a ser um dinamizador relevante no panorama artístico nacional. Os seus projetos continuam uma prática de colaboração e permanente reinvenção artística, congregando tanto a sua geração de artistas como a geração emergente da década de 80.
Como é o caso do projeto pipxou caixa de arte com tiragem de 100 exemplares, organizada por Maria Estela Guedes e Fernando Camecelha em que participaram Helena Almeida, Pedro Calapez, Pedro Proença, Rui Castelo Lopes, Xana, José Barrias, Alberto Picco, Carlos Nogueira e muitos outros artistas.
Os seus projetos desta década olhavam, como sempre, o futuro, como foi o caso do projeto Aldeia Global, cujo objetivo era a constituição, através de uma rede de computadores, de uma plataforma de comunicação e troca de ideias. [E.T.]


“Dar a mão à palmatória, reconhecer a própria ignorância. Ficar de novo à beira do cutelo, de olhos fechados decididamente à procura de mais uma fenda na muralha. Não é fácil... Mas para inventar um futuro não há outra saída: o futuro só pode ser performado.”
Ernesto de Sousa. “Artes-da-Acção ou Performances”. Comunicação em Diálogo sobre Arte Contemporânea (Teatro, Música, Performances), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Acarte, 1985.