entrada: Condições Gerais

Face à “Vida Nua”

2020-12-09
2021-05-01
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Questo è il piano



Luciana Fina
Questo è il piano, 2020
Video HD, som, cor, 20’

Realização, Imagem e Som | Director, Image and Sound
Luciana Fina
Montagem e mistura de som | Editing and Sound Mixing
Elsa Ferreira
Cor | Color
Andreia Bertini
Música | Soundtrack  
Giovanni Battista Pergolesi, "Questo è il piano" Cantata per contralto, archi e basso continuo, voz | voice Gloria Banditelli , maestro | conductor  Fabio Maestri.
Complesso Barocco In Canto

Apoios | Supports
MNAC, Kino Sound Studio
Agradecimentos | Acnowledgments
Cinemateca Portuguesa “Sala de Projeção”, Ernesto Rodriguês, Edmea Brigham, Cristina Fina, Luísa Homem.

Filmado entre Março e Abril deste ano, Questo è il piano é um poema visual sobre o antinómico exercício da sobrevivência e da destruição.

Nesses meses de confinamento, enquanto se apelava à sobrevivência da(s) espécie(s) e muitos clamavam pela reconsideração dos nossos modos de vida e dos sistemas que regem o desenvolvimento económico, numa área do Alentejo litoral outrora protegida e preservada, deparei com uma vasta operação de desflorestação que avançava entre as dunas, indiferente à pandemia, a devastação de uma grande área da mancha florestal. Adquirida por um grande grupo americano, essa ampla área do território e a sua riquíssima floresta de pinheiros e sobreiros é devastada e transfigurada para dar lugar a um campo de golf e o projeto de um resort de luxo. A desmedida operação ameaça a floresta e os recursos hídricos da região ignorando por completo a gravidade do momento que atravessamos, os perigos da desertificação, o imperativo da proteção do ecossistema e de equilíbrios indissociáveis da nossa existência.
Durante a eclosão da pandemia e a paralisação das nossas vidas foi penoso assistir ao prosseguir da devastação. Realizei Questo è il piano respondendo ao aperto de duas forças opostas então simultâneas e manifestas: o apelo à sobrevivência da(s) espécie(s) e o indomável exercício da destruição. Concebido com carácter de urgência, foi filmado procurando otimizar os escassos meios à minha disposição na contingência do confinamento, um telemóvel e um gravador digital.
Questo è il piano estreou em sala em Novembro no Doclisboa. Para a exposição, de acordo com a minha prática cinematográfica, o filme adquiriu a nova forma de uma instalação.

Luciana Fina, Novembro 2020



O contexto pandémico em que vivemos, tem suscitado um reforço da reflexão em torno da questão ecológica. Muitos autores têm reafirmado a relação entre a quebra de equilíbrio nos ecossistemas e a possibilidade de ocorrerem surtos pandémicos.  
A ocupação do território e a sua especulação imobiliária são uma das componentes mais disruptivas do equilíbrio do meio ambiente, e a sua ação continua a ser globalmente praticada.

O filme que Luciana Fina realizou durante o período de confinamento, entre março e abril de 2020, reflete precisamente sobre a destruição de espaços envolventes a reservas naturais para a construção de projetos de “desenvolvimento” turístico.  
Numa altura em que o efeito pandémico provocou uma desaceleração do modo de estar, e parecia ter incentivado uma ideia de regeneração do planeta e do modo de vida, a realidade de um continuado programa de desenvolvimento capitalista indiferente aos efeitos da sua ação destruidora suscitou este filme de denúncia e desilusão.

Construído apenas através de dois planos estruturais, as árvores abatidas e os planos panorâmicos da paisagem agredida, é através do tempo sustido de um longo travelling sobre o efeito destruidor das máquinas, apenas ouvidas nunca vistas, que realizamos uma angústia inoperante face à transformação da realidade.

A cantata barroca de Pergolesi, Questo è il piano, coloca o filme no campo alegórico e melancólico de observação das ruínas do nosso tempo. Estado que, tal como Walter Benjamin observou, se estabelece no confronto entre a tristeza e a rebeldia, a acedia e a cólera. A melancolia deste filme pode e deve ser entendida no quadro de uma consciência crítica, em que o artista, tal como o filósofo, recoleta as cinzas do mundo e dá-lhes novos significados.

Emília Tavares