Entrada Livre

Fotografia e Sociedade

2016-06-16
2016-06-17
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Programa de projeções Fotografia e Sociedade. De 16 de junho a 16 de julho.

Associado à Conferência “Photography and the Left”, este conjunto de projecções está organizado em dois grupos distintos, que em todo o caso são aqui colocados na mesma sequência ininterrupta. Um primeiro grupo inclui os filmes realizados por colectivos ou autores revolucionários como o Kino Pravda de Dziga Vertov, os documentários de cariz eminentemente social e político do pioneiro John Grierson, que reflectem a preocupação com as desigualdades sociais criadas nas lógicas de desenvolvimento capitalista. Tal como na fotografia vemos essa preocupação registar-se desde os finais do século xix em autores como Jacob Rijs ou Lewis Hine, Charles Nègre ou Joshua Benoliel, desde as primeiras décadas do século XX que o cinema é considerado como uma ‘arma’ política, numa era em que a visualidade ganha um terreno ímpar e este médium se afirma como fundamental na interpelação do mundo. Num segundo grupo, projectam-se um pequeno grupo de filmes de autores contemporâneos, como Catarina Laranjeiro ou Filipa César, que incorporam novas formas de abordagem documental da realidade, numa perspectiva também ela fortemente política mas também de análise e crítica das imagens e do seu poder. (MM.)


1. Kino-Pravda nº1, Save the Starving Children

Dziga Vertov, 1922, Rússia, 10’

 

Dziga Vertov realizou nos anos 20 uma série de pequenos filmes, ao jeito de “actualidades”, debaixo do conceito de “cine-verdade” (kino-pravda), com o intuito de mostrar a realidade sem filtros, expondo todas as injustiças – de classe – que persistem na sociedade soviética. Neste primeiro número, rodado em 1922, Vertov ataca de frente o problema da fome no país de Lenine. A câmara de Vertov não se limita a mostrar as condições de vida degradantes que afligem crianças que são só pele e osso; ela oferece uma resposta para o problema, documentando iniciativas do Estado que mostram uma sensibilidade muito activa para este flagelo. Por exemplo, a confiscação de relíquias das igrejas destinadas à alimentação da população faminta: “cada pérola salva uma criança”, lê-se num dos cartões.

 

2. Drifters

John Grierson, 1929, Reino Unido, 50’

 

John Grierson é comummente conhecido como o pai do documentarismo inglês. Mais que isso: enquanto crítico e analista da rádio, imprensa e cinema, irá escrever, pela primeira vez, o termo “documentário” referindo-se ao filme de Robert Flaherty Moana. Grierson realiza apenas dois filmes, mas produz dezenas de documentários para o Empire Marketing Board (Ministério do Comércio Exterior do Império), agência governamental onde desenvolverá uma unidade de cinema que tinha como objectivo promover os produtos e serviços britânicos. A sua obra de estreia, Drifters, será a estrela polar deste movimento, onde se notabilizariam cineastas como Alberto Cavalcanti, Robert Flaherty e os ingleses Basil Wright e Paul Rotha. Sob influência de técnicas de realização e montagem soviéticas, Drifters é um documentário sobre a pesca do arenque no Mar de Norte. É isso e mais: um exercício “modernista” que explora, em toda a linha, as potencialidades rítmicas e expressivas da montagem.

 

3. Night Mail

Harry Watt e Brasil Wright, 1936, Reino Unido, 24’

 

De todos os filmes com a chancela de John Grierson e da sua unidade do cinema para o Empire Marketing Board, Night Mail é tido consensualmente como um dos títulos mais representativos e mais bem conseguidos. Embalado por um poema de W.H. Auden e pela música de Benjamin Britten, este documentário realizado por dois dos “melhores alunos” de Grierson, Harry Watt e Brasil Wright, decanta a dimensão informativa e pedagógica da Escola Documental Britânica. O seu objecto é a travessia nocturna do comboio especial que faz a ligação entre a Inglaterra e a Escócia levando o correio de última hora. O processo de selecção e organização do correio é minuciosamente registado por uma câmara atenta a cada gesto destes carteiros madrugadores.

 

 

4. The River

Pare Lorentz, , 1937, Espanha, 31'

 

Evocando Mark Twain e William Faulkner, The River é uma belíssima ode ao rio do Mississípi. Este é apenas o segundo documentário realizado por Pare Lorentz para a US Resettlement Administration de Roosevelt, lançado dois anos depois de The Plow that Break the Plains. E, como este seu primeiro filme, é uma obra sobre a desertificação e extenuação de recursos da paisagem natural americana. À volta do rio do Mississípi é-nos narrada, num registo documental com flama poética, uma história de abusos perpetrados sobre os terrenos envolventes, que conduziram à esterilidade dos mesmos e consequentes êxodos populacionais, bem como as consequências nefastas das inundações e o modo como  a administração Roosevelt resolveu a situação construindo barragens. Destas construções resulta não só a contenção do aparentemente indomável rio, mas também novas possibilidades de cultivo e povoamento da região.

 

5. De Brug

Joris Jivens, 1928, Holanda, 11'

 

De Brug é um dos primeiros – e ainda mudos – filmes do documentarista holandês Joris Ivens. Trata-se de uma experiência de montagem no sentido duplo do termo: a forma como as imagens se encadeiam, criando um ritmo e uma cinética envolventes, acompanha o modo como uma ponte férrea levadiça sobe e desce sobre as águas do rio Rotte, em Roterdão. A câmara – objecto de registo logo no começo – filma sob diversos ângulos o movimento da ponte que levanta e depois desce para se voltar a “encaixar” numa estrutura feita de aço e pedra. A perfeição maquinal desta estrutura é a perfeição formal dessa conjugação entre realização e montagem. Ivens, nesta altura um jovem entusiasma do cinema experimental alemão de Ruttman, Richter e Eggeling, produz uma sinfonia urbana que celebra a velocidade e robustez da engenharia e tecnologias modernas.

 

6. The land

Robert Flaherty, EUA, 1939-1942, EUA, 51'

 

Documentário algo atípico de Robert Flaherty que resulta de uma encomenda do U.S. Department of Agriculture. Este filme segue o “receituário” dos documentários de Pare Lorentz, abordando o tema da terra americana (“wasted land”), êxodo e pobreza dos agricultores. Encontra-se “a mão” flahertiana no modo como  a câmara se fixa no rosto de um homem velho cujos olhos testemunharam a opulência natural de uma paisagem agora desertificada ou num episódio na vida de uma família de agricultores que, face à esterilidade dos solos, se vê obrigada a deixar para traz a sua casa. Escreve José Manuel Costa na folha de sala da Cinemateca Portuguesa: “O que descobriremos, afinal, é um dos olhares mais desencantados entre todos os que não nos foram dados sobre a América da Depressão, um ponto de vista que se pauta pelo rigor e a contenção e que, por isso, superou em ‘justeza’ muitos outros documentos sobre a pungente desertificação das terras e a correlativa degradação das populações”.

Textos de Luis Mendonça

7. Transission from the liberated Zone  

Filipa César, Portugal, 2015, 30’

 

Nos anos 1970 um grupo sueco visitou regiões já livres do colonialismo português, Transmission from the Liberated Zones recupera as suas imagens e testemunhos e num exercício performativo situa-as no presente. P.L.

 

 

8. Effects of wording |The Mozambique Archive Series
Catarina Simão, Portugal, 2014, 29’

 

Um filme Super8, rodado em 1967 em Dar-es-Salaam, mostra o ensaio de uma peça de teatro. As imagens de arquivo incorporam a promessa de conter alguma verdade histórica, embora tal promessa esteja também frequentemente associada a uma potencial deslealdade, quando a simples transposição de contexto ou enunciação, pode com o tempo, trair a intenção inicial na génese da captação das imagens. P.L.

  

 

9. Pabia di Aos 

Catarina Laranjeiro, Portugal, 2013, 55’

 

Na Guiné-Bissau, quarenta anos depois da guerra, aqueles que aderiram ao movimento de libertação e aqueles que lutaram no exército colonial põem em cena uma multiplicidade de discursos. E todos reclamam para si a memória dos vencidos. P.L.

 

 

10. Leaving the Factory

Susana Mouzinho, Portugal, 2016, 4’

Figurações do trabalhador e do trabalho no ecrã são as primeiras imagens que o cinematógrafo filmou, os primeiros movimentos da máquina coincidem com os primeiros movimentos de um corpo que sai da fábrica onde presumivelmente o seu corpo concentrado, recolhido no interior da fábrica se dá à luz e à câmara que encontra no seu êxodo. Estes planos fixos dos irmãos Lumière que encenam, enquadram e observam, que guardam a memória dessas primeiras impressões do movimento humano, suscitaram um exercício de imaginação narrativa e histórica, de nota, de apontamento, da gestualidade ali conservada. Coloque-se o corpo e a máquina em movimento. Susana Mouzinho

 

 

11. Replica 

Patricia Leal, Portugal, 2016, 6’

 

Em 1998 a realizadora Jane Godmilow realizou uma cópia exacta do primeiro filme de Harun Farocki Inextinguishable Fire. Este ensaio audiovisual parte do questionamento do gesto de ‘replicar’ no Cinema. P.L.



Programa projetado  em Loop das 10 às 18h de terça a domingo. Encerrado à segunda. 

Rua Capelo, 13



Organização e selecção:

Margarida Medeiros com Jorge Ribalta e Raquel Schefer

Textos:

Luis Mendonça

Patrícia Leal

Susana Mouzinho

Apoios:

Estúdio e Mediateca do Departamento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Luis Miguel Correia/ Patrícia Leal/ Luis Mendonça