entrada: Condições Gerais

Tesouros da Fotografia Portuguesa do Século XIX

2015-04-30
2015-06-28
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Núcleos Expositivos


Panorama Fotográfico

A exploração dum registo bidimensional que conseguisse traduzir toda a abrangência do ângulo de visão humana tinha já sido ensaiada, através da pintura, ou do famoso diorama do inventor do daguerreótipo Jacques Louis Mandé Daguerre (1787-1851). Contudo, logo após o anúncio público da invenção do daguerreótipo e do calótipo em 1839, os desenvolvimentos ópticos e mecânicos para aplicação destes processos à visão panorâmica foram imediatos. Durante a segunda metade do século XIX estabelecem-se quatro eixos de exploração de dispositivos para a obtenção de panoramas fotográficos: a imagem abrangente através de uma só lente e de um só disparo; os panoramas realizados com o recurso a várias imagens justapostas; os realizados com lentes móveis que permitiam já uma cobertura do ângulo de visão de 150º, a partir de 1845, e finalmente os panoramas panóticos, permitindo uma visão de 360º, a partir de 1890. Vários fotógrafos e investigadores acumularam experiências e resultados como Nöel Marie Lerebours (1807-1873), inventor do Megascópio, o primeiro dispositivo para panorama em daguerreótipo, ou Jules Damoizeau que, em 1890, desenvolveu o Ciclógrafo, o primeiro dispositivo circular com rotação mecânica e que se pode incluir na proto-história do cinema. [E.T.]


A Fotografia Artística – paisagem e retrato

Subsidiária da pintura e dos seus géneros, os primórdios da fotografia artística foram em grande medida moldados pela sua inspiração formal e estética. Muito embora a sua expressão em Portugal, durante toda a segunda metade do século XIX, tenha estado associada às exposições industriais ou às representações nacionais nas grandes exposições internacionais, também é certo que o seu expoente artístico foi defendido em revistas e exposições próprias e através dum conjunto de fotógrafos, cuja relevância artística e social foi reconhecida pela sociedade da época e até internacionalmente. É o caso de João Baptista Ribeiro, Wenceslau Cifka, Francesco Rocchini, Augusto Bobone, Carlos Relvas, Arnaldo da Fonseca, Emílio Biel, entre outros que, através de meios comerciais ou amadores de difusão, firmaram-se como os defensores duma expressão artística fotográfica. A fotografia esteve também presente em algumas das exposições promovidas, quer pela Sociedade Promotora das Bellas Artes, quer pelo Centro Artístico Portuense, e é no Porto que assistimos precisamente a uma maior atividade fotográfica associada às exposições artísticas. Apesar da sua afirmação crescente ao longo da segunda metade do século XIX, só em 1886 foi possível realizar uma Exposição Internacional de Photographia, no Palácio de Cristal, no Porto, que reuniu a primeira grande geração de fotógrafos portugueses. [E.T.]


Fotografia e belas-artes

Apesar de não terem sido ainda devidamente aprofundadas as relações entre a fotografia e as belas-artes no século XIX, parece ser evidente que a fotografia foi mais bem acolhida pelos artistas do século XIX do que pelos seus sucessores até à segunda metade do século XX. As amizades e afinidades entre pintores, escultores e fotógrafos parecem ter sido determinantes para um ambiente de recetividade face a uma tecnologia que, nos seus primórdios, foi entendida por muitos como “a morte da pintura”. Os casos de João Baptista Ribeiro (1790-1868), ou de Wenceslau Cifka (1811-1883) e mais tardiamente de Alfredo Keil (1850-1907) são os mais bem documentados deste ponto de vista, tendo os mesmos traduzido a sua relação com a fotografia em práticas articuladas com a sua produção artística. Também Francisco Metrass (1825-1861), desiludido com a pintura e o seu parco sucesso artístico enveredou pelos caminhos da daguerreotipia, instalando estúdio ao Cais do Sodré. Outros terão cruzado os seus interesses com a fotografia, muito embora sejam escassas as referências documentais, é o caso de José Ferreira Chaves (1838-1899), em cujo acervo se encontram fotografias de Carlos Relvas dedicadas ao pintor, ou mesmo de Veloso Salgado (1864-1945) que começou a sua carreira como aprendiz de litógrafo. [E.T.]


A fotografia de acontecimentos

Um dos «programas» da fotografia que mais impacto teria no final de século XIX e primeiras décadas do século XX foi o do registo e documentação de acontecimentos públicos e privados. As longas exposições, decorrentes de obturadores lentos, bem como de soluções químicas ainda igualmente lentas, impediram, durante as primeiras décadas da sua invenção, que a fotografia se ocupasse dos acontecimentos humanos que incluíam movimento. Mas desde os anos 60, a fotografia de festividades públicas, acontecimentos sociais públicos e privados, celebrações e acontecimentos políticos é sistematicamente acompanhada por fotógrafos, amadores ou profissionais. No século XIX, fotógrafos como Cunha Morais, Augusto Bobone, Carlos Relvas, João Camacho, Aurélio da Paz dos Reis, são alguns dos nomes que abordam situações tão diversas como uma tourada, uma caçada em África, a ida à praia, um passeio de D. Carlos e D. Amélia, um almoço de notáveis, os preparativos do casamento de D. Luís ou uma feira no Rossio. A par da fotografia, a produção de estereoscopias de acontecimentos contribuiu igualmente para a intensificação de uma cultura centrada no «contacto» com o acontecimento através do consumo de imagens. [M.M.]


A fotografia e as suas aplicações científicas e tipográficas

No seu livro The Pencil of Nature (1844), William Henry Fox Talbot desenha a vocação transversal da fotografia, mostrando, uma a uma, as suas múltiplas utilizações, desde a fotografia de arquitetura, ao retrato, à fotografia de documentos, à reprodução de obras de Arte. À medida que os tempos de exposição diminuíam, alargou-se o âmbito da sua utilização para o campo da Medicina e Antropologia, permitindo fotografar casos clínicos, tipos humanos, comunidades. A fotografia portuguesa não ficou de fora desta experiência múltipla da fotografia e desde cedo que as suas aplicações à fotografia de documentos, à medicina e às expedições científicas, geográficas e antropológicas se desenvolvem, permitindo a divulgação de resultados e observações, quer em conferências quer em publicações. Figura exemplar neste campo foi José Júlio Bettencourt Rodrigues (1843-1893), químico e precursor da fotografia em Portugal na sua aplicação à ciência, nomeadamente no caso dos estudos efetuados na Secção Fotográfica da Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino. Os diversos exemplos de processos fotomecânicos, que apresentou em Paris em sucessivas Exposições Internacionais, e onde recebeu vários prémios, sobretudo na aplicação dos processos fotomecânicos na elaboração de mapas, atestam o seu pioneirismo. [M.M.]


A fotografia patrimonial

Os primeiros álbuns a serem produzidos em França, com gravuras feitas a partir de daguerreótipos, foram as Excursions Daguerriennes (1840-42) de Noel Paymal Lerebours, um editor e tipógrafo francês, e retratavam o património arquitetónico francês (catedrais, monumentos), bem como monumentos de toda a Europa e Mediterrâneo. Em Portugal, os pioneiros da fotografia também encetaram idêntica missão. Desde os primeiros daguerreótipos realizados em Coimbra e Porto, a imagens fabricadas por outros processos (albumina, papel salgado, colódio), o inventário patrimonial foi uma constante por parte de fotógrafos amadores e profissionais. Carlos Relvas com o álbum do Convento do Lorvão ou «A Arte Ornamental» (1883), a Revista Pittoresca e Descriptiva de Joaquim Possidónio da Silva (1861-63), mostram como a vocação arquivística e memorial da fotografia se tornou rapidamente uma das mais difundidas, num século em que a Arqueologia como disciplina se afirma em todo o mundo e em que a própria História se coloca no centro das preocupações políticas e filosóficas. O século XIX coloca em paralelo a Fotografia e o Monumento como ferramentas de construção da memória futura e, consequentemente, elabora um trabalho de arquivo e de inventário. [M.M]


O Retrato Fotográfico

O retrato foi um dos géneros mais significativos e populares da fotografia. A inscrição da fotografia na tradição representativa da pintura levá-la-ia, no início, a importar os seus géneros tradicionais (retrato, paisagem, natureza morta) apesar de fatores técnicos ligados à necessidade de uma lenta exposição implicando longas poses tornarem esta prática complexa. De tal forma que chegou a ser inventado um mecanismo para segurar a cabeça do retratado e impedir-lhe o movimento. Por outro lado, fatores socioculturais acentuavam de sobremaneira a procura do retrato fotográfico. Esses fatores prendem-se com profundas modificações da sociedade no sentido da afirmação do indivíduo, centrado na distinção social, na afirmação da sua identidade cultural no seio de uma sociedade em constante modificação económica e política. A fotografia, pela sua natureza mecânica, permitia associar ao realismo da imagem uma série de convenções proporcionadas pelo cenário de estúdio, pela composição, pela pose, passíveis de serem usadas como espelho idealizado. Em Portugal, ateliers como os de Augusto Bobone ou Emílio Biel, ou mais tarde Arnaldo da Fonseca, estão entre os que produziram uma grande coleção de retratos, não apenas de figuras públicas como do cidadão comum. [M.M.]