entrada: Condições Gerais

Are you still awake?

2012-12-13
2013-04-28
Voltar ao Programa

Núcleos

núcleos
Género  e Identidade
Pós-colonialismo: trauma e esquecimento
Revolução, Resistência e Reinvenção
Distopias e paisagem transfigurada

artistas
Alexandre Estrela, Ana Hatherly, Ângela Ferreira, Carla Filipe, Ernesto de Sousa, Hugo Canoilas, João Pedro Vale, João Tabarra, Júlia Ventura, Julião Sarmento, Mauro Cerqueira, Paulo Catrica, Vasco Araújo.

apresentação dos núcleos

Género e Identidade

Julião Sarmento (1948)
Sem título
1971-2010
18 provas de impressão digital a jato de tinta de pigmentos sobre papel Ilford Barita
fotográficas positivas a cores e a preto e branco
Col. António Cachola, em depósito no MNAC-MC

O feminino na sua vertente moral, psicanalítica e sexual tem sido uma das áreas fulcrais do trabalho de Julião Sarmento, desde a década de 70. O território movediço entre erotismo e pornografia tem sido outras das polaridades presente na sua obra, sempre que toma como modelo a imagem da mulher. Este conjunto de imagens, que abarcam vários momentos e várias fases da sua vida e obra, apresentam-se como um diário visual feminino do artista, em que os universos do privado e do trabalho do artista são contaminantes, e em que as referências abarcam vários âmbitos, do cinematográfico ao íntimo. Para o artista, o sexo contém uma ideia libertária, lugar possível de um exercício livre do ser. Fica colocada a questão se esta imagem desassombrada da mulher contribui para a libertação dos códigos seculares da sua condição de género, ou se a mesma permanece encerrada na sua circularidade de estereótipos, apesar do caráter libertário em que se representam. (E.T.)

Júlia Ventura (1952)
Geometrical reconstructions and figure with roses
1987
3 provas por destruição seletiva de corantes (Cibachrome) e papel de parede
MNAC - MC. Inv. 2815, 2816, 2817
Doado por Manuel dos Santos

Júlia Ventura ao assumir artificialmente os signos da passividade feminina, devolve-os ao entendimento patriarcal como exacerbadas posturas kitsch que este reserva para a representação feminina. Por isso, estas imagens devolvem com ironia a pretensão de uma anterioridade socialmente codificada dos modelos de representação. Nestes trabalhos, são apropriadas obras modernistas de diversos períodos que vão do suprematismo à abstração pós-moderna. A neutralidade do formalismo modernista ao fazer recurso da anterioridade significante da pintura de forma ascética é assim criticada. A superfície idealizada e pura onde o modernismo inscreveu as suas imagens é aqui confrontada com uma imagem ostensivamente feminina e sobre a qual são inscritas as referidas citações. O confronto destas duas situações tão diversas revela duas polaridades sexuais: uma dissimulada porque recalcada; a outra simulada porque enfatizada. Em ambas o que aparece é a pregnância do sexual na constituição da imagem. (P. L.)


João Pedro Vale (1976)
General Idea (FODA)
2012
Cobertores costurados e grade de madeira
Cortesia do artista

Nos anos 80, o surgimento da Sida intensificou a discriminação sexual das minorias homossexuais, especialmente das masculinas. O ambiente social conservador e moralista da época, sobretudo nos E.U.A, foi o rastilho de um movimento artístico de forte contestação em que as questões de género e identidade queer ((gay, lésbica e de transgénero) foram o tema central. João Pedro Vale volta a abordar o tema, através dum jogo de apropriações, tomando como modelo a peça AIDS (1989) do coletivo canadiano General Idea, que por sua vez se tinha apropriado da obra pop de Robert Indiana, LOVE (1958). Ao utilizar uma palavra que identifica o ato sexual mas que está associada a uma linguagem marginal, o artista elabora também a transferência do conceito anglo-saxónico de “Four-Letter-Word”para a língua portuguesa. Palavras apenas com quatro letras, cujo significado remete para funções excretoras, de atividade sexual, índole religiosa profana ou moralmente condenatórias e que debatem o significado simbólico, moral, psicológico e social da palavra. (E.T.)

Vasco Araújo (1975)
Telefonema
2011
Díptico: prova fotográfica positiva a preto e branco, impressão digital a jato de tinta e texto impresso em papel
Cortesia Galeria Filomena Soares

Nesta série de trabalhos o artista procede, como é frequente na sua obra, a um exercício de travestismo intensificando as questões fundamentais sobre a identidade de género, a sua natureza ambígua e metamórfica. A ficção que acompanha ou dá rosto a um estereótipo feminino revela um diálogo no fio da incomunicabilidade, num território que fica comprometido entre a aparência e a nudez dos sentimentos, bem como das personalidades, algo que a distância física do telefonema permite. Esta conversa telefónica é também a busca de uma identidade emocional, um desejo de  espelhamento e a resistência implícita no reconhecimento da diferença. O que o artista coloca em confronto é uma ideia social de identidade perante a solidão do individual, uma vez rompidas as teias de conveniência moral. Numa sociedade em que a comunicação tornou-se um conceito imperialista e o estar conectado apresenta-se como uma abstração social, este telefonema representa um último espaço libertário do “eu” entre “a fome, o sexo e o poder”. (E.T.)

João Pedro Vale (1976)
We all feel better in the dark
2000
Mini-trampolim de textil sintético bordado a lantejoulas
MNAC –MC. Inv. 3441
Doação dos Amigos do Museu em 2012

Este aparelho integrava o ginásio imaginário que constituiu a primeira exposição individual do artista. Partindo de um objeto lúdico, desportivo, associado a uma cultura do corpo e a uma latente masculinidade, o artista insere uma derivação ao universo feminino, ao bordar a cetim e lantejoulas o refrão de uma canção pop dos Pet Shop Boys. Desta forma, o artista desmonta a normalidade dos arquétipos masculino/feminino, inserindo simbologias de universos ambíguos, logo cultural e socialmente constrangedores. O refrão da canção, quando transportado para o objeto, armadilha-o de um estereótipo de mistério e sedução deslocado do seu uso, em que a ironia é também uma estratégia de combate à estranheza da diferença. (E. T.)

Pós-colonialismo: trauma e esquecimento

Vasco Araújo (1975)

O Jardim
2005
Vídeo, cor, som, 9’44’’
Cortesia do artista

O Jardim Colonial foi criado durante a monarquia, em 1906, e mais tarde recuperado como uma das mais importantes estruturas da exposição do Mundo Português (1940), projeto de propaganda interna e externa do regime ditatorial do Estado Novo sobre a grandeza da nação e do seu império colonial. Com a queda da Ditadura em 1974, o Jardim foi rebatizado com o nome de Jardim Tropical. Vasco Araújo recorre a excertos dos épicos clássicos da Ilíada e da Odisseia de Homero para construir um diálogo entre vários personagens que se tece entre os sentimentos de conquista, submissão, acolhimento, medo, estranheza, conhecimento, dicotomias presentes em todas as histórias de conquista territorial. Utilizando grandes planos das estátuas em bronze existentes no Jardim, estereótipos visuais racistas sobre os habitantes das ex-colónias portuguesas, o diálogo e as imagens evocam a complexidade do que foi a ocupação e conquista de territórios africanos, no quadro duma mentalidade imperial presente na estrutura política europeia até ao recente século XX. (E.T.)


Vasco Araújo (1975)
Botânica
2012
Mesa de madeira, 15 fotografias digitais, molduras de madeira e metal
Cortesia da Galeria Filomena Soares, Lisboa

Neste trabalho, pela primeira vez exposto, o artista procedeu à recolha de material de arquivo do período colonial português e não só, e à documentação fotográfica de vários jardins de espécies exóticas. Elaborou, assim, um jogo visual que demonstra a forma como a cultura colonial desenvolveu o seu pensamento exótico sobre os povos submetidos ao imperialismo ocidental. Pensamento que reduziu a identidade destes povos e das suas culturas a estereótipos, contribuindo para um exercício opressivo que não se manteve apenas pelo ocupação territorial mas que infligiu igualmente a alienação do seu património social, político e cultural. Um pensamento baseado no especismo, na prevalência de uma espécie sobre outra, que abarcou o natural e o humano, sendo as exposições coloniais e a exibição de povos indígenas nos chamados zoos humanos um dos principais e mais chocantes exemplos. O invólucro decorativo em que o artista apresenta imagens deste mundo, enfatiza o modo luxuriante mas nunca problematizado com que a questão colonial foi abordada e vivida. (E. T.)

Ângela Ferreira (1958)
Hotel da Praia Grande (O Estado das Coisas)
2003
Prova fotográfica positiva a cores, impressão digital a jato de tinta
Col. particular, Lisboa

Um das imagens mais icónicas da Revolução de 25 de Abril de 1974 é uma fotografia de estúdio, em que um rapaz deposita um cravo no cano duma espingarda G3. A artista reencena o gesto na piscina do Hotel da Praia Grande, em Sintra, local em que Wim Wenders filmou também O Estado das Coisas em 1982, metáfora sobre o exílio, o desterro e pessoas sem esperança, num Portugal pós-revolucionário ainda visto como soturno. De referir que Sintra e alguns dos seus hotéis receberam também parte dos milhares de refugiados residentes nas ex-colónias portuguesas, devido à descolonização. Ao deslocar um gesto associado à liberdade coletiva para um local histórico de lazer duma elite económica e social, a artista questiona a natureza complexa da liberdade e os conflitos sociais decorrentes da sua conquista. Constrói assim uma alegoria sobre outra, fazendo suceder à inocência dum gesto de liberdade a sua maturidade, ferramenta essencial para entender as ruturas e continuidades da Revolução de abril, na sociedade portuguesa. (E.T.)


Revolução, Resistência e Reinvenção

João Pedro Vale (1976)
“Are You Still Awake?”
2002
Prova fotográfica por revelação cromogénea (C-print)
Cortesia do artista


Esta fotografia faz parte de um conjunto de performances que o artista realizou durante uma residência em Cork, na Irlanda, entre 2001 e 2002. Neste trabalho, João Pedro Vale conjuga uma realidade e uma metáfora para analisar a forma como os países trabalham as suas imagens de marketing turístico, promovendo frequentemente o adormecimento crítico da identidade social e política. A paródia ao velho método de contar ovelhas para adormecer serve para criar uma máscara de identidade animal associada à obediência cega e repetição comportamental. Elabora, desta forma, uma caricatura dos modelos estereotipados de identidade dos povos, assim como a forma obediente, autómata e enganadora com que os absorvemos. Do projeto fazia também parte um vídeo, intitulado “Do You Want To Be Part of a World of Sleeping People?”, que completa um trabalho artístico coerente e corrosivo sobre a manipulação política da identidade nacional e a nossa sonolência indiferente perante as ameaças normalizadoras e redutoras duma cidadania crítica, mesmo em democracia. (E.T.)

Ana Hatherly (1929)
Revolução
1975
Filme super 8 transferido para DVD, cor, som, 10’46’’
Col. FCG/CAM

Ana Hatherly e o filme Revolução representaram Portugal na Bienal de Veneza em 1975, um dos mais importantes eventos artísticos internacionais, expressando bem o interesse e a importância que a Revolução do 25 de Abril também teve na conquista da liberdade artística e cultural. A artista interessou-se, desde os anos, 60, pela Poesia Experimental, que explorava os aspetos plásticos e referenciais da escrita, construindo “poemas-visuais” com base em colagem, desenho ou mesmo a performance do gesto.
Neste filme em concreto, a artista toma como matéria-prima os murais e graffitis que povoaram o país na sequência da Revolução de abril, desenvolvendo a partir deles novos jogos de linguagem e visuais, demonstrando a riqueza e pluralidade de significações de toda a linguagem. (E.T)

Ernesto de Sousa (1921-1988)
Revolution My Body nr. 2
1975
Filme super 8 transferido para DVD, cor, sem som, 10’; écrans serigráficos, performance do público
Col. MNAC – Museu do Chiado. Inv.
Doado por Isabel Alves

Ernesto de Sousa teve um papel determinante e absolutamente inovador na arte portuguesa. Depois da Revolução de abril, ele foi um dos mais informados e ativos entusiastas, como curador, artista e teórico, responsável por muito do que então foi realizado em prol da arte contemporânea portuguesa. Acreditava numa arte total, que conjugasse a tradição estética e a vanguarda. No tempo em que este trabalho foi realizado, a arte pedia ao espectador que fosse um interlocutor e não apenas um sujeito passivo. Uma manifestação de trabalhadores da Lisnave, no pós 25 de Abril de 1974 é projetada sobre ecrãs serigráficos brancos com a pequena inscrição “o teu corpo é o meu corpo”, sendo o espectador convidado, após a projeção, a deixar a sua marca, mensagem, contributo. A obra é também uma homenagem aos mentores das vanguardas históricas e das neovanguardas, aos pensadores de várias áreas e a todos nós. Para Ernesto de Sousa a arte devia estar inscrita no quotidiano, ser a expressão dum projeto de igualdade social e cultural, de cidadania esclarecida e politicamente empenhada. (E.T)

Alexandre Estrela (1971)
Mass Produced Pool for Workers
2000
Maqueta em PVC, aquário, lâmpada fluorescente e água, espelho convexo
MNAC – MC. Inv. 2602
Doado por Cristina Guerra e Filomena Soares

Em pleno modernismo arquitetónico, Le Corbusier projetou um complexo habitacional (1922), direcionado para as classes trabalhadoras, que nunca viria a ser construído. O artista apropria-se da ideia social, falhada, deste projeto arquitetónico subvertendo e submergindo a sua maqueta para a transformar num projeto de piscina para as classes trabalhadoras. De uma forma irónica e corrosiva são expostas as disfunções e distopias entre o espaço social e a economia capitalista. O sentido massificador e muitas vezes desumano da habitabilidade tem neste trabalho a sua expressão mais desencantada, evocando a falência do contributo arquitetónico modernista para uma sociedade mais justa e igualitária. (E.T.)

Hugo Canoilas (1977)
Pintura Gasosa
2010
óleo sobre tela
Cortesia da Galeria Quadrado Azul

Esta pintura faz parte duma série mais autorreflexiva do artista sobre o lugar da pintura. Partindo da figura referencial de Hélio Oiticica e do incêndio que destruiu parte das suas obras, o artista evoca as palavras de F. Marques Penteado que lhe terá dito que “Oiticica se tinha realizado, tornado gás, libertado de todo o conjunto de vampiros que se aproveitavam intelectualmente e financeiramente da sua obra.”. Canoilas adiciona a este referente libertário e libertador, a radicalidade da cor em Malevitch, o branco sobre branco, estabelecendo uma colagem de tempos e ideias sobre a pintura e a arte que remetem para um exercício de liberdade, uma vontade de autonomização do ser, logo, potencialmente revolucionária. (E.T.)

Hugo Canoilas (1977)
Lê e divulga o poder popular
2010
Acrílico e anilina sobre papel entelado
Cortesia da Galeria Quadrado Azul

Esta pintura, faz parte de uma série apresentada na exposição Um Corredor entre M. e K. na Galeria Quadrado Azul. A frase foi retirada de um dos murais do PREC (Processo Revolucionário em Curso), período mais radical da história política do pós 25 de Abril de 1974, a que o artista tem recorrido para trabalhos vários. Na sua obra, Hugo Canoilas tem explorado as relações entre o individual e o coletivo, a poesia e a política, a pintura e o texto. As suas pinturas são suportes de comunicação pública, acessíveis, de feitura bruta e artesanal, expressão plástica radical da linguagem que encerram. Tal como o próprio artista afirma, a sua pintura pretende relacionar-se com o mundo de uma forma horizontal, “numa confrontação sem paternalismos, explicações ou outra forma de mediação”. (E.T.)

Hugo Canoilas (1977)
Na margem
Vídeo HD, NTSC, cor, som, 7’43’’
2012
Cortesia da Fundação da Bienal de São Paulo

Esta obra apresenta o trabalho preparatório de Hugo Canoilas para a 30ª edição da Bienal de Arte de São Paulo, no Museu da Casa do Bandeirante. O cerne do seu trabalho para esta Bienal foi a história dos bandeirantes, no Brasil colonial, mais concretamente ao longo do rio Tietê no interior do estado de São Paulo, rota particularmente importante no processo de colonização da região. Através do conceito de “objetos-texto”, o artista intervencionou a paisagem ao longo do referido rio, procurando quebrar o conceito de objeto artístico para estabelecer uma relação casual e interrogativa do espectador com estas mensagens tridimensionais. Os objetos e os lugares são também percorridos com trechos de textos de Walter Benjamim, dos poetas e escritores brasileiros Mário de Andrade, Wally Salomão, Roberto Piva e Olavo Bilac, compondo uma leitura radical do lugar em função de um tempo que rompa com o quotidiano. Canoilas compõe, assim, um exercício artístico de revisitação libertária do lugar e de toda a sua carga histórica. (E.T.)

Hugo Canoilas (1977)
Colagem-viagem
Vídeo HD, NTSC, cor, som, 12’7’’
2012
Cortesia da Fundação da Bienal de São Paulo

O projeto de Hugo Canoilas para a 30ª Bienal de São Paulo tomou como ponto de partida a história da colonização e ocupação territorial do Brasil colonial pelos Bandeirantes. Nesta obra, trabalhada como um road movie, o artista percorre os locais que são banhados pelo rio Tietê, no interior de São Paulo, região fulcral no processo de desenvolvimento colonial. Um conjunto de textos de autores como Lord Byron, Lévi-Strauss, e os brasileiros Olavo Bilac, Mário de Andrade ou Roberto Piva, integram esta viagem, reproduzida de trás para a frente, num registo caótico, que evoca toda a dialética histórica de desenvolvimento do Brasil. Ao introduzir uma leitura anárquica no registo memorialista e historicamente ordenado deste legado colonial, Canoilas desvenda-nos um Brasil, longe, muito longe das esvaziadas intenções oficiais de celebração do exótico além-mar. (E.T.)

Mauro Cerqueira (1982)
Uma pessoa atira uma pedra, muitas pessoas atiram muitas pedras
2010
Acrílico sobre vidro e pedras
Cortesia Galeria Graça Brandão

Grande parte do trabalho de Mauro Cerqueira centra-se na ideia performativa, de ação, cuja leitura e alegoria se prolonga nas suas esculturas/ objetos, hipóteses eminentes de acontecimento. O desequilíbrio, a disparidade, o absurdo, o desajuste e uma tensão latente são adjetivos comuns ao universo prolixo do artista. Desde as publicações fanzine à performance, a inquietação atravessa os seus projetos numa procura de sentido existencial, em temas que contrariam toda a possibilidade estética, reafirmam antes o lugar do artista enquanto interlocutor do mundo e da sua entourage social e política. O espaço urbano e os seus crescentes conflitos, mais propriamente a metrópole do Porto, tem sido uma das geografias fulcrais do seu trabalho. É o caso da presente obra, que fez parte da exposição “Ossos” na Galeria Graça Brandão, em Lisboa, em que uma frase de revolta ou de insurreição social foi associada a objetos recolhidos nas zonas designadas de problemáticas da capital nortenha. Em associação, os objetos e a frase enunciam a contradição do tecido social, armadilhado entre a fragilidade da sua desigualdade e a violência da mudança. (E.T.)


Carla Filipe (1973)
“Pontos nos ii” Zé Povinho
“Pontos nos ii” Cavaco e Maria
2012
Tinta da china, aguarela, ecoline e colagem sobre papel
Cortesia Galeria Graça Brandão


Estes trabalhos pertencem a uma série em que a artista recupera o espírito das revistas humorísticas e de caricatura que foram, sob a pena e a observação de Rafael Bordalo Pinheiro e muitos outros, um dos processos de crítica social e política mais contundentes do final do século XIX. É o caso da mítica personagem alegórica de um povo, o Zé Povinho, que assiste com uma ironia castiça, perspicaz e analítica ao desenrolar das vicissitudes da sociedade portuguesa, ele próprio sujeito à alteridade do “eu” numa sociedade em convulsão, com novos protagonistas e políticas antigas. A artista estabelece sempre uma estratégia recolectora e abrangente sobre o mundo, permitindo-lhe elaborar panoramas dialéticos sobre os mais diversos aspetos da sociedade, sem hierarquias de assuntos. Nestes dois trabalhos, como é frequente na sua obra, o texto e o desenho, tecem novas/velhas análises ao Portugal contemporâneo, num desfile caótico de conexões, desde o popular ao erudito, do histórico ao atual, do verdadeiro ao falso. (E.T.)

Distopias e paisagem transfigurada

Paulo Catrica (1965)
Rio Murtiga, da série Paisagem
2005
Prova fotográfica positiva a cores de impressão digital Lightjet, colada em cardmoujnt
Col. António Cachola, em depósito no MNAC-MC

Esta obra faz parte da série Paisagem, que documenta o conflito entre a paisagem natural e as políticas de ocupação do território nacional, a transição não mediada do rural para a urbanização mal planeada. A obra de Paulo Catrica tem-se caracterizado por uma abordagem documental crítica, estabelecendo dessa forma inventários visuais comprometidos com a estranheza de um enunciado formal e o seu contexto realista. Neste caso, em particular, a imagem retrata o rio Murtiga, no Alentejo, contaminado por uma alga num ano de seca grave, numa região do país que mais tem sofrido problemas de articulação da sua paisagem natural com o desenvolvimento económico. Imagens que retratam a distopia que atingiu a natureza mas convocam também a urgência de mudança. (E.T.)

João Tabarra (1966)
Lake + Fool
2000
Prova fotográfica a cores, impressão digital a jato de tinta
MNAC – MC. Inv. 2417
Doado por Cristina Guerra e Filomena Soares

Esta fotografia apresenta uma paisagem enquadrada e com uma modelação de luz característica de uma revista como a National Geographic. Um charco sob uma luz dourada que se reflete na cara do artista debruçado para aí beber água definem uma situação irónica, já que os elementos cliché da tradicional imagem bucólica de pendor naturalista estão presentes com a exceção do artista que ocupa o lugar tradicionalmente destinado ao animal que se acerca de um paul para beber. A substituição de um elemento estrutural pelo próprio sujeito, mais do que um exercício de autoironia, devolve uma dimensão projetiva daquele sobre o mundo, transformando a cena numa alegoria sobre a sua condição. O sentido do mundo é uma distância infinita. Não existem sublimações poéticas para descrever a própria amargura. (P. L.)

Ângela Ferreira (1958)
Marquise
1993- 2006
Alumínio e zinco; 2 provas fotográficas por destruição seletiva de corantes, (Ilfochrome)
MNAC – MC. Inv. 2614
Doado pela artista


O processo de criação deste trabalho teve como base uma pesquisa documental fotográfica realizada no Porto, nos bairros de Contumil, Pasteleira, ilhas da Boavista e Lapa, bairros habitacionais em que as extensões ilegais das unidades habitacionais são comuns. A generalização da marquise, em Portugal, como elemento comum à arquitetura citadina e dos subúrbios, é vista como um detalhe arquitetónico popular e típico da paisagem, mas tem também uma leitura sociológica de avaliação da habitação deficitária. A artista apodera-se destes materiais pobres e industrializados conferindo-lhes uma aplicação plástica e escultórica, transformando-os numa proposta artística, através duma leitura crítica sobre a sua envolvência social e económica. Estabelece também um jogo de ironia sobre o conceito de valor arquitetónico e a sua expressão no quotidiano dos cidadãos. (E.T.)

22 obras em exposição, 1 inédita e 2 apresentadas pela primeira vez em Portugal. Casos, respetivamente, das obras Botânica de Vasco Araújo e dos dois vídeos de Hugo Canoilas que integram o projeto do artista na Bienal de S. Paulo de 2012.

ficha técnica

Comissariado: Emília Tavares
Textos: Emília Tavares e Pedro Lapa
Produção: Maria de Aires Silveira
Conservação e Restauro: Laboratório  Dr. José de Figueiredo da DGPC (Gabriela Carvalho, Francisca Figueira, Joana Campelo, Ana Fernandes e Ana Fryxell dos Santos); Divisão de Documentação, Comunicação e Informática (Alexandra Encarnação).
Coordenação da montagem: Emília Tavares
Montagem: Iterartis, Pedro Gomes (Decunify), equipa MNAC-MC: Liliana Dias, Paulo Medeiros e João Carneiro
Mecenato: Rita Sá Marques
Comunicação: Anabela Carvalho
Registo: Amélia Godinho
Tradução: KennisTranslations S.A.
Design gráfico: Projecto Próprio, Barbara Says… com o apoio de /with the support of Mariana Veloso
Sinalética: VPrint Produção de Imagem Lda.
Transporte: Iterartis
Construção: J. C. Sampaio Construções
Seguros: Lusitânia Seguros

agradecimentos
Aos artistas: Alexandre Estrela, Ana Hatherly, Ângela Ferreira, Carla Filipe, Hugo Canoilas, João Pedro Vale, João Tabarra, Júlia Ventura, Julião Sarmento, Mauro Cerqueira, Paulo Catrica, Vasco Araújo.

CAM/FCG (Leonor Nazaré), José Mário Brandão e Andreia Poças (Galeria Graça Brandão), Manuel Santos (Galeria Filomena Soares), Manuel Ulisses e Inês Portugal (Galeria Quadrado Azul), António Cachola, Isabel Alves, João Rapazote.
Epson Portugal (Filipa Coelho), FinePrint (Nuno Soares), Museu de Arte Contemporânea de Elvas (Patrícia Machado e Isabel Pinto), Museu Berardo (António Pedro), Ana Anacleto, Pedro Reis (Resize)