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Outros olhares

Novos projectos

Ana Vidigal, Rodrigo Oliveira, António Olaio, Xana

2011-06-30
2012-05-27
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Ana Vidigal + José Malhoa

Ana Vidigal
"the brain is deeper than the sea"
(projecto ana/malhoa)
2011
A  partir da obra
Praia das Maçãs
de José Malhoa (c. 1913-18)


A minha escolha não foi uma escolha de imagem, foi uma escolha de palavras.
Escolhi um título. Escolhi Praia das Maçãs.
Quem trabalha com o tempo, ou pretende trabalhar, sabe a importância de um nome.
Um nome que nos faz voltar. Voltei lá várias vezes depois de aceitar o convite para Outros Olhares - Novos Projectos. Voltei à Praia das Maçãs.
À minha, à de Malhoa, àquela que ainda hoje lá está.
Olho a capa do meu álbum de fotografias de infância e consigo ver a minha mãe a escrever o meu peso, a cor dos meus olhos e do meu cabelo.
Reconheço a caligrafia. Imagino-a a colocar os cantos das fotografias. A fazer a minha “memória”.
Anos mais tarde, quando essa “memória” me chegou às mãos, desmanchei-a.
Meticulosamente retirei todas as fotografias. Cortei muitas. Dei outras. Troquei a minha “memória” (escrupulosamente fiel à realidade) pela memória de outros, que fui perdendo no tempo, guardando em caixas, marcando livros. Ainda hoje encontro dentro de livros da Enid Blyton imagens de verões em praias a que nunca fui, árvores de natal que nunca enfeitei, rodeada de irmãs que nunca tive.
Guardo as memórias de outros, trocadas na adolescência pela minha.
O álbum ficou.
Durante anos guardado numa prateleira, como objecto danificado. Como que a lembrar o vandalismo adolescente. Vazio em imagens, repleto em palavras.
Da minha vida, só frases : A Ana Beatriz com quatro dias. A Ana Beatriz no seu primeiro Carnaval, a Ana Beatriz na Praia das Maçãs.
O Tempo ensinou-me a ver nas palavras. Sempre soube que, se um dia trabalhasse a memória desse tempo compilado pela minha mãe, seria com esse álbum vazio de imagens. Mostrar o vazio. Mostrar aos outros que o cérebro, a memória e o que cada um inventa para a sua própria “história” é mais profundo que o mar. Ver está muito para além do (nosso) olhar.

Malhoa sabia isso, quando retratou de costas aquela mulher. O tempo, o enredo, as personagens numa imagem cujo conteúdo é um só. Guardar
para sempre na memória, o nome de um lugar onde já se foi feliz.

Ana Vidigal
Junho de 2011