entrada: Condições Gerais

Sem limites

Nadir Afonso

2010-06-22
2010-10-03
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Primeira Modernidade

Nadir Afonso iniciou as suas experiências plásticas nos anos 30, durante a adolescência. Nas primeiras telas, em pintura en pleinair, ao estilo impressionista, retrata perspectivas da sua cidade natal, Chaves. A atenção cedo conquistada pelas formas arquitectónicas demonstra a apreensão de elementos geométricos. Constam também deste período representações paisagísticas do contexto rural em que cresceu, com a rápida passagem para uma estética mais expressionista e a evidência de um outro elemento estruturante no seu futuro percurso plástico: o movimento. Surpreendente é encontrar neste núcleo uma iniciática marcação rítmica de formas, em sequência linear, com introdução de outro conceito de movimento que irá explorar mais tarde, orientado pela precisão matemática. Em 1938 vai estudar Arquitectura para a Escola de Belas-Artes do Porto, onde integra o Grupo dos Independentes. Participa em exposições com obras cuja modernidade e qualidade são reconhecidas à época, permitindo que uma primeira pintura sua, A Ribeira, seja adquirida para uma colecção museológica. Em criações de relevo como Vila Nova de Gaia (1942) e Cais de Santos (1944) Nadir avança para a simplificação dos conteúdos e a notação de formas e de linhas paralelas que evidenciam um caminho de afastamento do paisagismo em direcção a uma estética mais depurada e mais atenta à geometrização. A temática urbana e das cidades afirma-se, desde então, como privilegiada no universo de Nadir, em detrimento da figuração humana.
(A.G.)

Aproximação à Estética Surrealista

Datam da primeira metade dos anos 40 os primeiros trabalhos de Nadir de incursão no abstraccionismo, parte explorando uma linguagem mais solta, um lirismo onírico de pioneirismo surrealista, e parte recorrendo a temas de cariz surrealista para um trabalho de geometrização cromática das formas. Em 1945 pinta Évora Surrealista, em que evoca a influência estética desse movimento internacional. Nadir Afonso parte para Paris em 1946, quando o movimento surrealista arranca para um segundo momento internacional. Com o apoio do artista brasileiro Cândido Portinari consegue uma bolsa de estudo do Governo francês para estudar na capital francesa. Logo depois começa a trabalhar no atelier ATBAT do arquitecto Le Corbusier, oportunidade que marcará o seu percurso e lhe facilitará futuros contactos. Conhece, entre outros, Picasso, Calder, Max Ernst, Fernand Léger e André Wogenscky. Este último intercede junto de Le Corbusier para que Nadir possa ter mais tempo para se dedicar à pintura. Amante desta prática e ele próprio artista plástico, Le Corbusier concede-lhe as manhãs para esse efeito. O seu interesse no surrealismo foi apenas de pesquisa e de libertação plástica, exterior ao espírito do movimento. Nadir opta por um caminho individualista, isolado, de pesquisa espacial dentro de uma estética abstraccionista, em direcção a uma geometrização formo-cromática.
(A. G.)

Pré-Geometrismo

Durante o período em que trabalha e contacta com a obra de Le Corbusier, Nadir Afonso inicia a realização de uma série de telas dedicadas à composição geométrica. A presença influente mas impositiva da arquitectura na sua vida profissional, em confronto com a crescente necessidade de dedicação à pintura, leva-o a desenvolver uma filosofia estética. Teoriza sobre as suas preocupações com a harmonia e a necessidade de descobrir a essência do que acredita serem leis universais na arte. Concentra-se nas formas geométricas e dá-lhes exclusivo
protagonismo nas suas criações plásticas. As suas linhas-limites são definidas com rigor. A paleta reduz-se, com preferência pelas cores primárias. Através de um cromatismo afirmativo e vibrante dá vida às figuras geométricas que elege: quadrados, círculos, triângulos, rectângulos. Em superfícies planas, de cores lisas e neutras, as figuras geométricas são dispostas de forma individualizada e conjugadas em múltiplas variantes como num jogo de blocos lógicos, por vezes com sobreposições que fazem nascer, entre as formas elementares e os espaços intermediários, outras formas complementares. A matemática ganha definitivamente na obra de Nadir uma importância determinante, a geometria é dela fruto e a harmonia das relações de proporção e de modulação no espaço só podem ser alcançadas pela sensibilidade da via intuitiva, fruto da experiência artística. Esta série de obras será depois desenvolvida já durante a sua estadia no Brasil, traduzindo uma outra dinâmica no espaço e uma maior vibração.
(A. G.)

Período Barroco

Conquistado o caminho do abstraccionismo, um novo referente surgiu como estimulante desse conceito operativo: a arquitectura barroca da cidade do Porto. Ainda que a pintura se tenha tornado na sua actividade de eleição, a arquitectura afirma-se como um foco de atenção, por excelência. Nos anos passados no Porto, a expressiva presença do Barroco, no interior e exterior dos edifícios civis e religiosos, suscitou impressões sensoriais que levarão a novas concepções formais no sincretismo com a modernidade. As composições neobarrocas de Nadir evocam mesmo alguns dos motivos tradicionais como floras e espirais, em interpretações estilizadas e geometrizadas que inicia em finais de 40 e desenvolve, na sua maioria entre 1953 e 1955. Os elementos pictóricos são trabalhados numa síntese de três a quatro cores lisas, em abordagens formais, como arabescos e formas contorcidas. O recurso a linhas rectas, articuladas com curvas e contracurvas, repetidas em paralelismos e antíteses, sugere o movimento do conceito deleuziano: “o traço do barroco é a dobra que vai ao infinito”.
(A. G.)

Período Egípcio

Quase em paralelo com o abstraccionismo neobarroco e a abordagem formal explorada no âmbito desse conceito, uma nova reinterpretação histórica ganha corpo no processo criativo de Nadir, dando sequência ao trabalho anterior.
O mundo do antigo Egipto torna-se mote de uma série de pinturas com títulos que evocam este novo tema. A mitologia egípcia, a escrita hieroglífica, a Natureza, são fontes de interesse com simbologias que servem um momento de transição, sob o qual se assiste ao elencar de fundamentos estéticos e formais até então conquistados. Período de pesquisa que corresponde à estadia no Brasil, ao regresso a Paris e à decisão de voltar a Portugal. Os princípios de beleza, proporção e ordem, elegidos na busca do desígnio que é a harmonia, são experimentados em novas direcções no domínio dos conceitos de espaço e tempo. Após Friso do Falcão, (c. 1950) e as composições pré-geométricas, que desenvolve em paralelo na primeira metade dos anos 50, Nadir avança, durante a segunda metade dessa década, em ensaios como Offrande e Jeux, estabelecendo desafios de repetição aplicados a alterações cromáticas, de escala e de orientação com vista à descoberta de linhas orientadoras e um novo sentido de equilíbrio.
(A. G.)

Espacillimité

Ao regressar a Paris em 1954, Nadir Afonso retoma o contacto com a comunidade artística, nomeadamente Vasarely, Mortensen, Herbin e Bloc, que na época centravam a sua atenção na
pesquisa da arte cinética. Nadir, que reporta a 1943 os seus primeiros estudos sobre os fenómenos de óptica, partilha de imediato dos interesses do momento e, a par dos precursores do cinetismo, dedica-se a composições pictóricas que apelida de “espacillimité”. O espaço branco da tela ganha escala na dinâmica de conjunto. Tirando partido das experiências até então desenvolvidas, Nadir trabalha com rigor a ocupação do branco da tela e concentra-se na importância do movimento dialéctico, na depuração dos elementos geométricos e respectivo alinhamento, na síntese cromática e sequente estruturação rítmica das formas, no equilíbrio ditado pela intuição enformada nas lei da matemática. Uma matemática que emana da prática perceptiva e não da intelectualização da arte ou na determinação de concepções filosóficas. Em 1956, Nadir cria em Paris aquela que é uma obra singular deste período, o quadro cinético Espacillimité, que apresenta em 1957 na Galerie Denise René (espaço mentor da apresentação da arte cinética) e no Salon des Réalités Nouvelles, em 1958. O projecto de conceber uma pintura que ultrapasse os limites espacio-temporais da tela é concretizado numa tela animada por um mecanismo que, através de um movimento circular sistematizado, em contínuo, introduz no domínio da pintura o conceito vanguardista de loop, ou seja, a ilusão do ilimitado.
(A. G.)

As Cidades

Após uma fase com períodos dedicados exclusivamente à pintura, Nadir volta, a partir de 1955-1956, a integrar vários projectos de arquitectura e urbanização. Essa reaproximação à experiência arquitectónica e a uma prática de projecto atenta ao contexto urbano (que nunca lhe foi indiferente) desperta um interesse renovado na temática da cidade, agora alargada a uma escala internacional. O caminho até então percorrido do abstraccionismo geométrico e a linguagem aturada que alcança em Espacillimité são agora utilizados na interpretação dos referentes retomados. Partes ou o conjunto de metrópoles são formulados numa abordagem estilizada, em composições sustentadas nas relações de rigorosa geometrização ou de um resgatado traço livre, sistematizado em composições atentas à justeza da proporção. Um novo elemento pictórico é introduzido durante esta fase: a perspectiva, que surge como resposta à necessidade de uma nova forma de representar a geometria do espaço. É durante a primeira metade da década de 60 que Nadir elabora os seus projectos de arquitectura que tiveram concretização. Porém, em 1965 decide abandonar definitivamente a arquitectura para se dedicar em exclusividade à prática pictórica com enfoque na temática das cidades.
(A. G.)