Para o estudo da melancolia em Portugal - Retrato dos críticos, 1971. Colecção Brasileira do Chiado
MNAC
entrada: Condições GeraisRetrospectiva de Retratos, 1955-1974
Nikias Skapinakis
1996-04-30
1996-06-30
Curadoria: Nikias Skapinakis, Raquel Henriques da SIlva, Pedro Lapa
O retrato, como género pictórico, possibilitou alguns dos melhores momentos da pintura portuguesa. O panorama único e esperançado dos rostos no Políptico de São Vicente, a iluminura simbólica de D. João II segurando a espada da justiça, o suposto casamento de D. Manuel, o rosto fechado de D. João III, com o contraponto cortesão e sobranceiro de D. Catarina diante dele, o olhar perdido e sonhador do D. Sebastião de Cristóvão de Morais, são momentos que transcendem o mero registo fisionómico para se inserirem na dinâmica muito mais vasta da aventura universal.
Depois, o registo intimista e dolorido de um país progressivamente periférico, marcado pela especificidade e singularidade dos hábitos e costumes, seria magistralmente dado pelo talento de pintores hoje desconhecidos ou quase esquecidos, e o elemento humano pareceu sobrepôr-se à fria retórica do poder. Enternecedor é o retrato de D. Catarina quando criança, frágil sob a moldura austera e escura das vestes, ou o retrato do irmão, o desventurado D. Afonso VI, brincando com o negrinho. O sopro cosmopolita barroco não conseguiu debelar a delicadeza do sentimento, e mesmo nos retratos de aparato do D. João V da Biblioteca de Coimbra, ou do D. José e da mulher entronizados e rodeados de alegorias, sob o frio academismo das poses e atitudes transparecem as subtilezas da condição humana. Ininterrupto, este registo pictórico passaria pela infeliz D. Maria, afogada em pérolas, pelo obeso D. João VI, pouco convincente na figura, pela expressão perversa e autoritária de Carlota Joaquina e pelo contraponto fratricida de D. Pedro e D. Miguel, radicalmente diferentes nos rostos e nas atitudes. D. Maria II, maternal e moralizadora, e D. Fernando de Saxe-Coburgo, de cabelo revolto e olhar inspirado, seriam já os retratos onde começa um ciclo romântico.
A partir daí, definem-se outras balizas cronológicas e artísticas, aquelas onde se inicia o percurso do Museu do Chiado. O Romantismo amadurecido transparece no emblemático Cinco Artistas em Sintra, simultaneamente auto-retrato e retrato de uma geração e de um tempo, e tinge-se de matizes aristocráticos na Viscondessa de Menezes. Mais adiante, a mãe do Doutor Sousa Martins, viúva e bondosa e, corrigidos pela visão naturalista, o retrato de Abel Botelho, pitoresco no bricabraque oriental, e o de Helena Dulac, em mundanos matizes de cetim. O retrato fantasmático de Antero é o registo desesperado de um mundo de desistência que só Columbano poderia dar, a cabeça desconstruída de Santa Rita o retrato do frémito futurista, e a figura geometrizada e empastada do auto-retrato de Mário Eloy, a visão modernista de um pintor que se fecha sobre si mesmo e nos evita o olhar.
Agora, temos finalmente os retratos de Nikias Skapinakis no Museu do Chiado. A série inicia-se em 1955, e prolonga-se durante quase duas décadas: retratos individuais e colectivos, os primeiros intimistas e afectivos, os segundos registos de práticas e situações sociais. Dando continuidade ao acervo do próprio Museu, a exposição de retratos de Nikias reata assim, em simultâneo, as tradições do retrato na arte ocidental e, sobretudo, na pintura portuguesa. O reatar destas tradições é, porém, corrigido pela actualidade plástica da visão contemporânea e pela atenção constante do pintor ao universo que o cerca - e nessa medida os retratos de Nikias são verdadeiros auto-retratos. O espaço do Museu do Chiado abre-se, assim, a um dos mais relevantes géneros pictóricos do Ocidente, soberbamente servido pelo grande retratista que Nikias Skapinakis é.
Simonetta Luz Afonso
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