Desespero da dúvida

, 1915

Ernesto Canto da Maya

Gesso
177 × 64 × 76 cm
Inv. 281
Historial
Adquirido pelo Estado em 1916.

Exposições
Lisboa, 1916, 232.

Bibliografia
13.ª Exposição (…), 1916, 232; Museu do Chiado: Arte Portuguesa (1850–1950),
1994, 178, cor; «Canto da Maya et la sculpture française», 1995, 13;
SILVA , 1995, 392, cor; SILVA, 1999, 117; FIGUEIREDO, 2005, 29, 14, p.b.;
NUNES, 2005, 374; Ernesto Canto da Maya (…), 2010, 24, p.b.
Esta escultura de Canto da Maya situa-se nos primeiros momentos da obra do artista como uma ruptura com os valores narrativos que enformaram a generalizada maioria de pequenas peças da sua autoria até então. Também, relativamente ao panorama nacional, instaura um corte profundo com a tradição, ainda que os valores dominantes sejam de teor oitocentista. A figura contorcida e crispada sobre si mesma remete para um universo simbolizante, presente no próprio título da escultura. Duas zonas mais intensas inscrevem o próprio desespero, são elas a cabeça e os braços cruzados envolvidos num conjunto de extrema tensão e instabilidade e, por outro lado, os pés contorcidos com uma presença invulgar. O percurso do olhar concentra-se, assim, nas extremidades da escultura já que a cintura ou o sexo têm uma presença difusa. A anatomia buçal, com mãos e pés de dimensões exageradas, que se acorda com um modelado áspero e vivo, traz a memória da escultura realista de Dalou e sobretudo da de Meunier. No entanto, a incontornável marca de Rodin manifesta-se no cabelo e na mão fechada contra a face que cita o Pensador. A memória dos pés do Homem que caminha não está ausente dada a sua presença, tensão e gravidade que aqui é ainda sublinhada pela súbita suavização do modelado informe e rugoso da base da escultura. No sentido em que os novos valores escultóricos apresentados se inserem ainda num paradigma oitocentista, torna-se problemático, senão mesmo paradoxal, considerá-la como a escultura que inaugura a modernidade em Portugal. É todavia na recusa da tradição academizante e na liberdade de tratamento matérico, associada a um desejo de inovação e de horizontes modernos, que esta escultura se pode situar como charneira entre os dois séculos.

Pedro Lapa
 

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