Durante a sua estada em Berlim (1929–1930), Bernardo Marques desenha insistentemente o fervilhar da cidade que tanto o impressionou pela sua modernidade, em claro contraste com a vida lisboeta, onde os sintomas mundanos se limitavam a círculos muito restritos. Dentro do conjunto de obras que recolhem o quotidiano das pessoas na rua e a sensação de actividade e dinamismo, esta obra tem carácter de excepção por tratar-se de uma cena nocturna. Esta rua, com o mesmo enquadramento, os mesmos bares e as duas personagens principais dos primeiros planos, foi captada durante o dia e resulta curioso verificar as alterações a que procedeu do dia para a noite a fim de conseguir imbuí-la do aspecto cambiante e inquietante que a noite, artificialmente iluminada, confere a uma mesma realidade. Para tal, sobre a escuridão de um fundo de castanhos, verdes e vermelhos, desenhou figuras e arquitecturas cambiantes em luminosos amarelos, verdes e azuis, em traços finos e visivelmente espontâneos e desordenados, que abandonam os sombreados, o rigor e o pormenor. Zonas de branco concentram a luz equilibrando esta paisagem urbana que treme e se furta sob os efeitos dos candeeiros e dos cartazes publicitários.

Maria Jesús Ávila